Encontro faz parte da formação dos agentes e teve como objetivo promover a troca de experiências sobre os trabalhos realizados por eles em suas regiões
O Iepé realizou, entre os dias 15 e 21 de julho, um intercâmbio entre 24 Agentes Socioambientais Wajãpi (ASA) e 40 Agentes Socioambientais Indígenas do Oiapoque (AGAMIN), no Centro de Formação do Oiapoque, localizado na Terra Indígena (TI) Uaçá, no Amapá. O intercâmbio fez parte da formação dos Agentes Socioambientais Indígenas e teve como objetivo principal promover a troca de experiências entre os ASA e os AGAMIN, possibilitando que identificassem desafios comuns e especificidades dos contextos locais no trabalho que os agentes realizam. Além de aprenderem sobre as diferentes realidades locais, os Agentes Socioambientais Indígenas apresentaram seus respectivos Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTAs), falaram sobre suas experiências na construção de Protocolos de Consulta, e discutiram os desafios que as políticas no âmbito nacional e estadual colocam aos povos indígenas.
Desafios da gestão socioambiental das Terras Indígenas
Nos dois primeiros dias do intercâmbio, os ASA e AGAMIN falaram sobre seus territórios e organização social, para depois discutirem sobre os problemas socioambientais que enfrentam. Observaram que a origem da maior parte dos problemas que enfrentam hoje está relacionada ao histórico de contato entre indígenas e não-indígenas, discutindo como se deu esse contato em cada localidade, e seus desdobramentos até o momento atual, identificando as diversas formas de colonização que viveram e vivem até hoje. Uma diferença marcante entre os contextos dos ASA e AGAMIN é a intensidade do contato, muito mais forte no Oiapoque, pela presença da BR156. Em comum, enfrentam desafios relacionados à saúde e educação indígena que não respeitam as especificidades dos seus modos de vida; a necessidade de permanente vigilância territorial e cuidado com os limites das TIs; a importância de cuidar dos recursos naturais de seus territórios; e as mudanças de consumo e a alimentação industrializada.
“Nossas terras já estão demarcadas. Nós pensamos em trazer nossa experiência e levar experiência deles, para pensar muito em como lidar com os karai ko (não-indígenas). Tem que colocar aldeia, cuidar a demarcação, para o branco não invadir a nossa terra. Os jovens tem que aprender melhor. Eu nem penso em mim, penso por toda geração.”, Nazaré Wajãpi
Os Wajãpi apresentaram o Plano de Gestão Socioambiental da Terra Indígena Wajãpi e falaram sobre a importância de ocupar e proteger os limites da TI. Os ASA contam sobre algumas de suas iniciativas para isso: manter a mobilidade territorial dentro da TI, morando em mais de uma aldeia; fazer reuniões e encontros com os vizinhos que moram em assentamentos do entorno para não terem problemas, criando a “faixa da amizade”; e manter um fundo de vigilância para limpar as picadas e fazer a vigilância dos limites.
Os AGAMIN também apresentam seu Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA), que é derivado do Plano de Vida dos Povos do Oiapoque, mais detalhado e construído há mais tempo. Na apresentação, explicaram que, em seu PGTA, as três TIs são divididas em cinco regiões, e contaram o que produzem nestas áreas: açaí, banana, óleo de andiroba, citros e farinha, para consumo e para venda. Também falaram sobre como a BR156, que passa no limite da TI Uaçá, tem impacto sobre seu território, sobre a importância de fazerem a limpeza da demarcação de dois em dois anos, e de como é estratégico construir aldeias nos limites das TIs para proteger de invasões.
Os intercambistas visitaram exemplos dos projetos de manejo desenvolvidos pelos AGAMIN na Aldeia Açaizal, onde o grupo conheceu o meliponário da comunidade, o bananal que está se transformando em um Sistema Agroflorestal, e as áreas de açaizais próximas à aldeia. Domingos Santa Rosa, técnico indígena da FUNAI, conduziu a viagem pelo Rio Curipi, compartilhando histórias sobre os lugares sagrados pelos quais passavam e também o histórico do contato na região. Visitou-se, também, o antigo posto do SPI, o Encruzo, um local estratégico de vigilância da TI, onde ocorrem muitas invasões para pesca ilegal.
A importância da Consulta Prévia
Ao debater sobre Protocolos de Consulta, os ASA e os AGAMIN falaram sobre suas maneiras próprias de tomar decisão, e como os Protocolos de Consulta são uma forma de fazer com que qualquer coisa que afete direta ou indiretamente as terras e povos indígenas sejam definidas respeitando as maneiras que cada povo tem de tomar decisões. Os Wajãpi, que já elaboraram um protocolo de consulta, contaram sobre como foi o processo de construção deste, que demorou anos, e sobre a importância de ter o protocolo:
“Quando alguém quer fazer alguma coisa na TIW tem que conversar com a gente antes; o governo não pode conversar com só uma pessoa, porque pode comprar essa pessoa ou enganá-la; por isso precisa conversar com todo mundo, reunir todas as comunidades pra ver se a proposta desse governo é boa ou não é boa. A gente toma as decisões nas aldeias, sem votação, a gente vai conversando até chegar em acordo” explicou Akytu Wajãpi.
Os AGAMIN contaram que têm discutido a construção de um protocolo próprio de consulta, que já tiveram três oficinas para discutir sobre o assunto e que entenderam como este documento deve ser construído, que é uma garantia aos direitos dos povos indígenas prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e sua importância para evitar problemas futuros para as comunidades.
Agentes Socioambientais Indígenas e política
Por fim, os participantes discutiram as atribuições legislativas das diferentes esferas de governo e como elas têm impacto sobre a vida dos povos indígenas, destacando o papel das bancadas para a definição das leis e os desafios da representatividade indígena e da defesa dos direitos indígenas na política institucional. Os agentes conversaram sobre como essa política mais ampla se relaciona com suas políticas internas, feitas nos próprios territórios, e avaliaram a importância da organização dos povos e das políticas internas fortalecidas para garantir os direitos indígenas: cuidar da terra que está demarcada passa também por conhecer os rumos da política regional e nacional para enfrentar ameaças. Para os agentes, o seu trabalho também é político, não só ambiental, por isso, devem estar atentos ao que tem impacto sobre a integridade socioambiental dos territórios também na esfera da política macro.
O intercâmbio foi realizado como parte do curso de Formação de Agentes Socioambientais Indígenas que vem ocorrendo na TI Wajãpi e nas TIs do Oiapoque, realizado em parceria pelo Iepé e TNC, no âmbito do projeto “Fortalecimento da Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas na Amazônia como estratégia de controle do desmatamento e de promoção do bem estar das comunidades indígenas”, apoiado pelo Fundo Amazônia (BNDES).
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