Presidente exclui da lei “contrabandos legislativos”, restabelece instâncias contra as mudanças climáticas e oficializa as duas primeiras Unidades de Conservação federais em cinco anos

Ester Cezar – Jornalista do ISA

@estercezaar 

Oswaldo Braga de Souza – Jornalista do ISA

 No Planalto, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, entregou ao presidente Lula a nova versão do plano de combate ao desmatamento 📷 Ricardo Stuckert / PR

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou, na tarde de segunda-feira (5), medidas para comemorar o Dia Internacional do Meio Ambiente. 

Ele vetou pontos do projeto de lei de conversão da Medida Provisória (MP) 1.150/2022, cujo texto final trouxe dispositivos que enfraqueceriam a proteção à Mata Atlântica, às Unidades de Conservação (UCs), como parques e reservas, e às Áreas de Preservação Permanente (APPs) às margens de cursos de água, essenciais para a manutenção de mananciais e evitar desastres, como deslizamentos e enchentes. A MP foi aprovada pela Câmara há duas semanas. 

Agora, o Congresso pode manter ou rejeitar os vetos. Nesse caso, um acordo foi feito na primeira votação na Câmara para que o União Brasil acatasse os vetos. O partido propôs as alterações mais radicais na MP.

O Senado havia “impugnado” esses pontos, o que significa que os considerou inexistentes, por violação formal ao processo legislativo. Na volta à Câmara, no entanto, os deputados retomaram o texto que saiu da Casa.

Os senadores avaliaram que os dispositivos eram “jabutis” ou “contrabandos legislativos”, jargão usado no Congresso para uma emenda que entra de surpresa num projeto de conversão em lei de uma MP e sem relação com seu tema original, atropelando o processo legislativo. Desde 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) veda a manobra. O conteúdo da medida original tratava apenas de prazos para cumprimento do novo Código Florestal (saiba mais).

Lula também vetou o dispositivo sobre o assunto pelo qual, a partir da assinatura do Termo de Compromisso do Programa de Regularização Ambiental (PRA) e durante sua vigência, o produtor rural não poderia ter financiamentos negados por causa de infrações ambientais. Por meio do PRA, os produtores rurais formalizam o compromisso de reflorestar ou compensar áreas desmatadas ilegalmente. 

“A redação do artigo era ampla demais e dava margem à interpretação de que o produtor rural não poderia ter pedidos de crédito negados por outras infrações eventualmente cometidas, além daquelas objeto do termo de compromisso”, analisa o consultor jurídico do ISA Mauricio Guetta. Segundo o texto da lei sancionada, agora esses financiamentos poderão ser rejeitados pelos bancos.

Ainda conforme a redação final da MP, os produtores rurais passam a ter até um ano após a “notificação do governo estadual para ingressar no PRA. Antes, eles devem ter validadas as informações do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e identificados os passivos ambientais a serem recuperados pelo órgão ambiental responsável. O problema é que a validação do CAR anda a passos de tartaruga: menos de 1% dos cadastros foram validados, após mais de 10 anos da publicação do novo Código Florestal. 

O cacique Raoni Kaypó participou da cerimônia do anúncio das medidas ambientais no Palácio do Planalto | Ricardo Stuckert / PR
O cacique Raoni Kaypó participou da cerimônia do anúncio das medidas ambientais no Palácio do Planalto 📷 Ricardo Stuckert / PR
Compromisso ambientais

“Tenho o compromisso de retomar a liderança mundial do Brasil na mitigação das mudanças do clima e no controle do desmatamento”, afirmou Lula. Ele voltou a cobrar os US$ 100 bilhões anuais prometidos pelos países ricos para o combate ao aquecimento global. “Até agora, saiu pouquíssima coisa, e não se sabe para quem”, criticou.   

O presidente prometeu cumprir a meta de desmatamento zero na Amazônia até 2030, apresentada pelo Brasil nas negociações internacionais sobre mudanças climáticas, e disse que o governo vai atualizar o conjunto dessas metas, conhecido por Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês). 

Os compromissos do Brasil foram alvo de uma “pedalada climática” do governo Bolsonaro: a linha de base foi atualizada mas o mesmo não aconteceu com o percentual de emissões de gases de efeito estufa que o país deveria emitir até 2030. Assim, o volume absoluto de emissões caiu.  

O presidente Lula também assinou decretos que criam, restabelecem ou atualizam o funcionamento de conselhos, alguns com participação da sociedade civil, sobre meio ambiente e mudanças climáticas (saiba mais no quadro ao final da reportagem). 

Um deles atualiza as normas de funcionamento do comitê gestor do Fundo Nacional de Mudança do Clima, paralisado no governo Bolsonaro. Em ação judicial articulada pelo Observatório do Clima (OC), o STF considerou inconstitucional a paralisação e determinou a retomada de seu funcionamento . 

“Com os anúncios, Lula mostra-se coerente com as promessas ambientais de campanha. O caso deve servir de alerta máximo para que a articulação política do governo se antecipe e faça a mediação junto ao Congresso sobre outros retrocessos em tramitação”, alerta Guetta.

Ele avalia que, se o governo não se antecipar e negociar com o Congresso, pode cair no colo do presidente da República o ônus político de vetar ou sancionar projetos que podem desmontar o licenciamento ambiental, intensificar a grilagem de terras e permitir o uso de agrotóxicos cancerígenos, por exemplo. 

Parque Estadual da Cantareira (SP), área de Mata Atlântica, bioma mais ameaçado do país | © Marcos Leone / ICLEI América do Sul
Parque Estadual da Cantareira (SP), área de Mata Atlântica, bioma mais ameaçado do país 📷 © Marcos Leone / ICLEI América do Sul
PPCDAm, áreas protegidas e plano de segurança

No evento do Palácio do Planalto, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, entregou ao presidente a versão final da quinta e nova fase do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm). O documento estava em consulta pública e sua divulgação era esperada há meses. 

“Os mecanismos de inteligência, tecnologia e combate aos crimes ambientais talvez sejam as ações mais inovadoras desta versão do PPCDAm”, comenta o pesquisador do ISA Antonio Oviedo. “Ações como o monitoramento de alertas de desmatamento em tempo real, rastreio de madeira, checagens de CNPJ e autorizações, e rastreio da cadeia que financia atividades ilegais são ações muito importantes para garantir maior eficiência nas operações de fiscalização”, completa. 

Ele explica que, de acordo com o texto divulgado, pela primeira vez o plano integrará, de forma explícita, as atividades de fiscalização fiscal, financeira, mineral, fundiária e de sanidade animal, de modo a ampliar a gama de sanções aos desmatadores ilegais.

No evento no Palácio do Planalto, Lula destacou que o governo está retomando a criação de áreas protegidas. Ele assinou os decretos de criação do Parque Nacional da Serra do Teixeira (PB), com 61 mil hectares, e de ampliação em mais 1,8 mil hectares da Reserva Extrativista Chocoaré-Mato Grosso (PA), totalizando agora mais de 4,5 mil hectares. Um hectare corresponde mais ou menos a um campo de futebol. As duas UCs são as primeiras oficializadas pela administração federal em cinco anos.

O presidente prometeu ainda lançar o Plano de Segurança e Soberania da Amazônia, que trará iniciativas de combate aos crimes ambiental e organizado na região, inclusive em UCs e Terras Indígenas (TIs). Estão previstas a criação da Companhia de Operações Ambientais, da Força Nacional de Segurança, e a implantação de bases fluviais e terrestres de fiscalização, postos policiais e delegacias.  

“A Polícia Federal e as Forças Armadas estão a postos para agir prontamente em qualquer emergência ambiental, seja um incêndio florestal, seja um socorro aos povos indígenas, seja o combate implacável a toda a atividade ilícita relacionada ao meio ambiente”, salientou Lula. 

O presidente voltou a dizer que o governo irá tratar criminosos ambientais de forma dura. Ele afirmou que protegerá as TIs “com uso da força, se necessário” e que irá demarcar o “maior número possível” dessas áreas até o fim de seu mandato. Em abril, chegou a prometer acabar com as pendências de demarcações. Na ocasião, homologou seis TIs, as primeiras em cinco anos.  

Críticas ao Congresso

Os anúncios foram feitos depois de o Congresso aprovar, na semana passada, a MP 1.154/2022, com a proposta da gestão de Lula para a reestruturação dos ministérios. Produto da pressão de ruralistas e bolsonaristas, o texto final esvaziou algumas competências importantes das pastas de Meio Ambiente e Povos Indígenas.

Além disso, o plenário da Câmara aprovou o Projeto de Lei (PL) 490/2007, que inviabiliza a demarcação de TIs e abre essas áreas a empreendimentos predatórios de grande impacto socioambiental. O projeto está agora no Senado. Se for alterado, volta à Câmara.

O Palácio do Planalto e sua articulação política receberam críticas por sua atuação nos dois temas. Tanto o texto final da MP 1.154 quanto o do PL 490 colocam em risco as promessas do governo na agenda socioambiental.

“Infelizmente, em recente decisão do Congresso Nacional, tivemos um retrocesso e uma reversão dessa sua decisão [de priorizar as politicas ambientais]. É uma decisão que não está em acordo com aquilo que é o fortalecimento do Sistema Nacional do Meio Ambiente, que acatamos, porque na democracia a gente acata as decisões legítimas do Congresso Nacional, mas não posso concordar”, lamentou Marina Silva, dirigindo-se a Lula. 

“Não posso concordar porque elas vão na contramão daquilo que significa ter uma legislação ambiental robusta e que faça com que o Ministério do Meio Ambiente possa cumprir com suas atribuições que lhe são conferidas na Constituição Federal e em todas as leis”, destacou.   

A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima retomou o contexto em que seu ministério foi encontrado, após o desmonte na gestão do ex-ministro Ricardo Salles. Ao assumir o mandato, Lula indicou Marina para a liderança da pasta e, conforme o texto original da MP 1.154, órgãos ambientais voltaram a sua competência para o fortalecimento da área. 

“Foi atendendo ao chamado de justiça e reparação por crimes dessa natureza [como o assassinato de Bruno Pereira e Dom Philips] que o presidente Lula já no primeiro dia de seu governo fez a criação do Ministério dos Povos Indígenas, colocando uma mulher corajosa Soninha Guajajara, para dar uma resposta a todas as atrocidades que vêm sendo cometidas contra os povos indígenas brasileiros, ter políticas públicas para assegurar seus direitos e protegê-los”, completou. 

Medidas do governo no Dia Internacional do Meio Ambiente 

– Vetos à Lei nº 14.595/2023 (MP 1.1550/2022) 
– Relançamento do PPCDAm
– Ampliação da Resex Chocoaré-Mato Grosso em 1,8 mil hectares, nos municípios de Santarém Novo e São João de Pirabas (PA) 
– Criação do Parque Nacional da Serra do Teixeira (PB), com 61 mil hectares
– Restabelecimento do Comitê Interministerial de Mudança do Clima
– Alterações no Comitê Gestor do Fundo Nacional do Clima, ampliando participação social e aperfeiçoando gestão
– Atualização das normas do Comitê Nacional de Redução de Gases de Efeito Estufa provenientes do Desmatamento e Degradação Florestal
– Decreto de atualização do Comitê Técnico da Indústria de Baixo Carbono
– Conselho Nacional para a organização da 30ª Conferência das Partes sobre Mudança Climática (COP 30), em Belém, Pará
– Reconhecimento de cinco territórios quilombolas: Cambury (SP)Costa da Lagoa (RS)Cajá dos Negros (AL)Timbaúba (CE) e Contente (PI)

Outras medidas ambientais tomadas pelo governo em seus seis primeiros meses 

– Recriação do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) 
– Retomada das Conferências Nacionais de Meio Ambiente
– Retomada da Comissão Nacional do REDD+
– Retomada do comitê gestor do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima 
– Criação do Conselho de Segurança Climática com a Casa Civil 
– Criação de um Plano de Prevenção e Controle de problemas causados pelos eventos climáticos extremos
– Retomada do Programa “Bolsa Verde”, para populações de baixa renda que vivem em comunidades tradicionais
– Retomada de políticas de valorização dos trabalhadores catadores

Fonte: https://www.socioambiental.org/noticias-socioambientais/lula-veta-ataques-mata-atlantica-e-areas-protegidas-e-anuncia-plano-contra

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