Organizações e movimentos sociais que integram o ÓSócioBio, entre eles o ISA, também denunciaram desmonte ambiental do governo Bolsonaro

Oswaldo Braga de Souza – Jornalista do ISA

Roberto Almeida – Jornalista do ISA

Com informações da Agência Senado

Numa audiência na Comissão de Meio Ambiente do Senado, nesta quarta (22), organizações da sociedade civil e movimentos sociais que integram o Observatório da Economia da Sociobiodiversidade (ÓSócioBio) denunciaram os impactos negativos para povos e comunidades tradicionais do desmonte ambiental do governo de Jair Bolsonaro e criticaram a falta de políticas públicas para ampliar a produção econômica dessas populações (saiba mais sobre sociobiodiversidade no quadro ao final da reportagem). 

Integrado pelo ISA, entre outras organizações, o ÓSócioBio também apresentou uma lista de recomendações para o próximo presidente eleito para estimular a economia da sociobiodiversidade. Até agora, está confirmada a entrega do documento à coordenação de programa de governo de Luís Inácio Lula da Silva. 

“A economia da sociobiodiversidade é um dos caminhos para encarar o recrudescimento dos cenários de mudanças climáticas, a perda da biodiversidade, a insegurança hídrica e alimentar, e o aumento das desigualdades sociais”, afirma o texto

Audiência discutiu políticas de estímulo à produção de povos e comunidades tradicionais | Oswaldo Braga de Souza / ISA
Audiência discutiu políticas de estímulo para produção de povos e comunidades tradicionais | Oswaldo Braga de Souza / ISA
Proteção de territórios

“Infelizmente, o contexto em que estamos vivendo não demonstra [ser] um momento muito favorável para essa agenda socioambiental no país”, lamentou na audiência Dione do Nascimento Torquato, secretário-executivo do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS). 

Ele frisou que a economia dos produtos da floresta e dos outros biomas depende da oficialização e proteção de Terras Indígenas e Reservas Extrativistas – o que não vem sendo feito na gestão Bolsonaro. “O maior reflexo dessa triste realidade são os inúmeros casos de conflitos territoriais e fundiários, a morte de lideranças ativistas no campo e a invasão massiva dos nossos territórios tradicionais”, continuou. 

Torquato defendeu a retomada de políticas desmanteladas pela administração federal que apoiaram a produção de povos e comunidades tradicionais no passado, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e à Política de Garantia de Preços Mínimos para os Produtos da Sociobiodiversidade (PGPM-Bio).

“As comunidades tradicionais, comunidades quilombolas, comunidades indígenas que são verdadeiros defensores do meio ambiente, eles estão fazendo o papel do Estado, mas estão sendo dizimados. Não tem outra palavra. Estão sendo dizimados com políticas antiambientalistas, antivida”, reforçou o senador Fabiano Contarato (PT-ES), que conduziu a audiência. 

Torquato, Contarato, líderes indígenas e outras pessoas que falaram na audiência lamentaram os assassinatos do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira, associando-os ao contexto de invasões de áreas protegidas, conflitos de terra e violência fruto do governo Bolsonaro.

Políticas públicas

“[É preciso apoio para] tudo que envolve a parte de orientação para que as coisas aconteçam como tem que ser. Porque é muita legislação, é muita burocracia, são muitos entraves. Ter pessoas, ter equipe, ter política pública que permita que pessoas apoiem os empreendimentos é de suma importância”, defendeu Dionete Figueiredo, da Cooperativa de Agricultura Familiar Sustentável com Base em Economia Solidária (Copabase), de Arinos (MG), em entrevista ao ISA (veja vídeo abaixo). 

“Não menos importante é o acesso ao crédito. Sem crédito não é possível desenvolver esses trabalhos”, continuou. “O mercado é cruel, não dá espaço para erro. Nos nossos empreendimentos não temos acesso a política pública de crédito. Entregamos tudo para o banco, que dá uma resposta não favorável. Assim é nossa realidade”, disse. Ela cobrou a retomada de iniciativas oficiais de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater).

Na audiência, o facilitador de Diversidade Socioambiental do ISA, Jeferson Camarão Straatmann, argumentou que os produtos da sociobiodiversidade não podem ser tratados apenas como insumos e matérias-primas, mas devem ser considerados em seu potencial de geração de conhecimento e inovação e demandam regulamentação e estímulos diferenciados e adaptados.

“Precisamos sair dessa lógica de provedores de insumos para uma lógica de economias que inovam a partir do conhecimento tradicional, são desenvolvedoras de tecnologias e soluções para saúde, moda, alimentação, governança, modelos econômicos, manejo e são prestadoras de serviços que entregam benefícios ecossistêmicos para todo o planeta”, defendeu.

“Os arranjos locais e territoriais e sua gestão devem ter políticas e programas específicos de gestão e regulamentação, que enxerguem esses arranjos com um prisma diferente do prisma das regulamentações do setor privado”, comentou. 

‘Apagão de informação’

A professora e pesquisadora da Universidade de Brasília Mônica Nogueira chamou a atenção para a dificuldade provocada pela ausência de dados sistematizados sobre os povos e comunidades tradicionais.

“Nós temos uma fragmentação, uma dispersão das informações relativas a povos e comunidades tradicionais no Brasil, seus territórios, os conflitos a que estão submetidos. E, ainda mais, sobre o que produzem, como a sua produção circula, como ela dinamiza a economia local”, apontou. 

“O apagão de informação naturalmente dificulta a elaboração de políticas públicas apropriadas que considerem as especificidades da economia da sociobiodiversidade. E pior, marginaliza essa economia e os seus sujeitos”, completou. 

O pesquisador e professor da USP Ricardo Abramovay informou que, segundo algumas pesquisas, a bioeconomia corresponde a 5% do PIB dos EUA, algo em torno de US$ 1 trilhão. Por outro lado, reiterou que, no Brasil, não há informações consolidadas sobre o setor, em especial para a Amazônia e o Cerrado.

“O Brasil pratica, sobretudo na Amazônia, uma economia da destruição da natureza. Nós precisamos de uma economia do conhecimento da natureza”, ressaltou. “A economia da destruição da natureza não propiciou desenvolvimento na Amazônia. A Amazônia hoje é a parte do Brasil onde estão seus piores indicadores sociais, onde a lei é sistematicamente desrespeitada, as instituições não conseguem exercer o seu papel, sobretudo num governo de fanáticos fundamentalistas que estimula a violência e o desrespeito à lei e a invasão de áreas protegidas”, comentou. 

Representantes do ÓSócioBio na audiência do Senado | Oswaldo Braga de Souza / ISA
Representantes do ÒSócioBio na audiência no Senado | Oswaldo Braga de Souza / ISA
O que é sociobiodiversidade?

Biodiversidade

A diversidade biológica ou biodiversidade é a variabilidade de organismos vivos de todas as origens, compreendendo, entre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos, outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte. Abarca, ainda, a diversidade dentro de espécies, entre espécies e de ecossistemas.

Povos e comunidades tradicionais

Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais conceitua essas populações como “grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição”. 

Além de índios e quilombolas, podem ser assim considerados seringueiros, ribeirinhos, caiçaras, ciganos, beradeiros, quebradeiras de coco babaçu, geraizeiros, sertanejos, comunidades de fundos e fechos de pasto, entre outros, parte fundamental da diversidade sociocultural da sociedade brasileira. Há, pelo menos, 27 segmentos diferentes reconhecidos pelo Estado, conforme o Decreto nº 8.750/2016, que institui o Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais.

Sociobiodiversidade

O conceito de sociobiodiversidade foi desenvolvido em linhas de pesquisa que confirmaram o papel dos pequenos agricultores, camponeses, povos indígenas e comunidades tradicionais na preservação e promoção da biodiversidade dos ecossistemas. Trata-se de uma noção que abarca as relações entre essa diversidade biológica e os conhecimentos, informações e práticas sobre seu uso e conservação desenvolvidos por essas populações, ao longo de séculos e até milênios. 

Em geral, a economia da sociobiodiversidade refere-se a produtos não madeireiros gerados a partir da exploração sustentável dos biomas. Alguns exemplos mais conhecidos no Brasil são: açaí, castanha-do-pará, pequi, babaçu, carnaúba, andiroba, copaíba, piaçava e derivados (alimentos, medicamentos, cosméticos, essências, óleos etc). 

Para saber mais

Fonte: https://www.socioambiental.org/node/419

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