Equipe de campo, da esquerda para a direita e de cima para baixo: Ageu Ferreira Pinto, Assistente Social da SESAI; Ricardo Cavalcante Barbosa Junio, enfermeiro da SESAI, Idelfonso Cavalcante, Técnico em Agricultura e Pecuária da CR-MAO/Funai; Marco Túlio da Silva Ferreira – Indigenista especializado da CFPE-VJ/Funai; Rodolfo, Fotógrafo; Maria Almeida de Lima, Tabeliã do Ofício Único de Atalaia do Norte; André Betrão, Defensor Público do Estado do Amazonas (DPE-AM); Haroldo Resende, Chefe do Serviço de Promoção de Acesso à Documentação Civil (SPAD/CGPDS); Gutemberg Castilho dos Santos, Coordenador Substituto da CFPE-VJ/Funai, Silvia Yaguiu, Indigenista Especializada da CFPE-VJ e Sanderson Castro Soares de Oliveira, lingüista, especialista em línguas da família Pano e na língua Korubo, Professor Adjunto da Universidade Federal do Amazonas (UFAM).

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No município de Atalaia do Norte, no estado do Amazonas, um mutirão composto por servidores da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e de órgãos parceiros atendeu à demanda por acesso à documentação civil do povo Korubo, constituído por indígenas de recente contato da região do Vale do Javari.

A iniciativa proporcionou o registro civil de nascimento de 87 pessoas. Os indígenas de recente contato, que têm como unidade de atenção indigenista a Coordenação da Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari (CFPE-VJ), relataram dificuldades para obter a certidão de nascimento (CN), sendo que a principal demanda pelo acesso a esse documento está relacionada ao atendimento em saúde. Eventualmente, existe a necessidade de acompanhamento médico no meio urbano, internações hospitalares e acesso a tratamentos fora de domicílio. A falta de documentação civil dificulta o acesso dos pacientes e acompanhantes Korubo aos serviços de saúde e tratamentos médicos.

Durante a ação, foram atendidas cinco aldeias principais em dias diferentes. Os indígenas passaram por um processo de triagem que envolveu emissão da Declaração de Nascido Vivo (DNV) pelo DSEI-VJ SESAI, nos casos aplicáveis, tendo sido registrados individualmente em atendimentos por família que envolveram também entrevistas e serviços fotográficos para impressão de fotos em tamanho 3 centímetros por 4 centímetros (3×4) nos formulários de registros tardios. Ao final do processo, cada indígena teve acesso ao registro civil de nascimento e obteve a respectiva certidão de nascimento. Após obter a certidão de nascimento, os indígenas oficializam diante do Estado brasileiro seus nomes e sobrenomes étnicos, bem como sua nacionalidade.

Importante mencionar que os povos de recente contato possuem atenção diferenciada do Estado no que diz respeito ao exercício de sua cidadania e ao acesso a políticas públicas, uma vez que não dominam alguns códigos da sociedade nacional, como a língua portuguesa. Equipes indigenistas especializadas atuam, assim, com o intuito de facilitar o diálogo com outras instituições e promover a qualificação de políticas públicas.


Com vistas a assegurar constitucionalmente sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre suas terras, o registro civil de nascimento e a documentação civil básica não devem ser obrigatórios para garantir o acesso de povos indígenas de recente contato a políticas públicas como saúde, mas um direito e uma opção que pode ser acessada a partir de processos qualificados de escuta e consulta.

A ação foi idealizada e planejada pela CFPE-VJ e pela Coordenação-Geral de Promoção dos Direitos Sociais (CGPDS/DPDS), tendo contado com o apoio direto da Coordenação Regional Vale do Javari (CR-VJ) e da Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC). Com base nas reivindicações dos indígenas, a equipe da CFPE-VJ também articulou parcerias com o Cartório Único de Atalaia do Norte, com a Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM) e com o Distrito Sanitário Especial Indígena Vale do Javari (DSEI-VJ).

Segundo a Tabeliã Mariana de Almeida, “muita expectativa foi gerada, haja vista ser uma ação inédita com indígenas de recente contato em um local tão distante. Muitos desafios iniciais foram superados. A principal ameaça era o tempo da ação e o número de indígenas atendidos. A preocupação era a de que não conseguíssemos atender a todos. Foi a primeira ação de combate ao subregistro em local fora da sede do Cartório. Sendo um verdadeiro sucesso, nossa expectativa é promover mais ações nesse sentido em outras comunidades indígenas e, ainda, estabelecer uma interlocução entre as instituições para que o registro seja feito imediatamente em locais em que haja internet, possibilitando, assim, que o indígena não precise se locomover até a cidade, em viagens de vários dias em condições insalubres.”

Para o Defensor Público André Beltrão, “estamos falando de uma comunidade de difícil acesso, que vive distante da cidade. Aqui, a maioria dos indígenas não falam português e a produção documental é fundamental para que eles tenham acesso a direitos básicos existenciais, como o direito à autoidentificação, atendimento em saúde mais efetivo, dentre outros”.

Buscando atender às especificidades culturais e linguísticas de nomeação dos Korubo, o mutirão contou, ainda, com a presença do professor, pesquisador e linguista Sanderson Castro de Oliveira, que também atuou como intérprete, tendo facilitado a comunicação nas entrevistas sobre a descrição dos nomes, bem como a correta grafia nos formulários. Segundo Sanderson, ” o acesso a bens, serviços e a fontes de renda são conversas antigas entre o grupo Korubo, contactado em 1996. Desde o início do meu trabalho, em 2007, posso asseverar que esses temas ocorrem com maior ou menor intensidade. Na verdade, segundo informações, essas conversas ocorrem desde antes da minha chegada. É importante registrar que o grupo contactado em 1996 interage com outros indígenas da Terra Indígena Vale do Javari, notadamente com os Matis, e que essa interação leva ao conhecimento das relações desses outros povos com a nossa sociedade e do conhecimento indireto sobre o funcionamento da sociedade envolvente. O documentário ‘Korubo: uma etnia entre fronteiras’, produzido em 2013, encerra-se com Takvan Vakwë dizendo literalmente ‘eu penso assim: vou aposentar minha mãe. Depois aposentar meu pai. Nós também temos que estudar, fazer documento também’. Longe de ser uma fala isolada, reflete várias discussões que já ocorriam na aldeia e várias demandas apresentadas aos atores locais. Em Oliveira e da Silva (2022), nós também apresentamos um breve relato das mudanças nas relações entre a CFPEVJ e o grupo Korubo, nos últimos 17 anos, terminando com a inserção do grupo no trabalho da Frente”.

Para o servidor Marco Túlio, “à medida que as variadas sociedades indígenas estabelecem o chamado ‘contato’ com a sociedade envolvente, sendo-lhes apresentada a necessidade de serem reconhecidas como cidadãs pelas diversas instâncias do Estado, cada uma desenvolve estratégias próprias de adaptação e usufruto do aparato burocrático. No caso dos povos denominados como de ‘recente contato’, desafios ainda maiores vêm à tona, uma vez que o domínio incipiente dos códigos e trâmites estatais por parte dos mesmos dificulta o pleno entendimento a respeito desta demanda, não raras vezes emergindo dúvidas acerca das reais necessidades e justificativas no momento da emissão de um documento X ou Y. No caso dos Korubo do baixo rio Ituí, público-alvo da atividade de emissão de RCNs na forma de mutirão in loco, tal atividade propositiva visou a sanar, como um todo, uma demanda prática há muito estancada, qual seja a garantia do acesso aos serviços estatais e plena cidadania, os quais têm como pré-requisito o acesso à documentação civil básica. Importante destacar, ainda, que o mutirão realizado via articulação interinstitucional se ateve aos três subgrupos Korubo hoje residentes em cinco aldeias localizadas nas calhas dos rios Ituí e Itaquaí, cujos contatos foram realizados no ano de 1996 (grupo da Maya – igarapé Quebrado), 2014 (grupo do Visa/Pinu – rio Itaquaí) e 2015 (grupo do Xuxu/Mëlanvo – rio Branco). Os membros do grupo que reside no rio Coari (grupo do Makwëx), junto ao qual a Funai deflagrou plano de contingência e expedição para estabelecimento de contato no ano de 2019, se encontram, ainda, em estágio muito preliminar de pós-contato, não havendo, por ora, premência na emissão de seus registros civis de nascimento”.

O servidor Haroldo Resende destaca que “foi uma experiência inédita que demonstra o comprometimento e o grande amadurecimento institucional proporcionado por esta gestão. Foram superados desafios de coleta de dados e produção de informações para o objetivo da ação; foram superados desafios de interlocução e diálogos entre diferentes áreas administrativas da Funai e foram superados os desafios de alinhamentos interinstitucionais entre a Funai e as instituições parceiras. Essa sinergia entre diferentes atores e instituições corrobora ao sucesso da estratégia de levar os serviços públicos essenciais aos povos indígenas, proporcionando um atendimento diferenciado, mudando o paradigma de deslocamento dos indígenas aos centros urbanos para atendimento comum. Essa estratégia mitiga as vulnerabilidades sociais a que os indígenas ficam expostos nos centros urbanos. Isto é o reflexo da missão institucional da Funai de proteger e promover os direitos dos povos indígenas”.

A ação será acompanhada por uma fase seguinte de monitoramento ativo da CFPE-VJ e por oficinas de esclarecimento junto aos indígenas, para que conheçam o funcionamento dos sistemas e códigos urbanos, por exemplo os estataIs e de mercado. Também prevê-se dialogar junto aos indígenas sobre barreiras de acesso a direitos sociais que provoquem vulnerabilidades, em especial nas cidades.

Essa ação inédita no Vale do Javari buscou atender à demanda específica do povo Korubo, e representa um avanço significativo na execução planejada e diferenciada de promoção do acesso à documentação civil para indígenas de recente contato, oficializando o reconhecimento como cidadãos brasileiros e a garantia de seus direitos. O mutirão demonstra a importância da interinstitucionalidade e do diálogo entre as comunidades indígenas e os órgãos responsáveis, visando à construção de uma sociedade mais inclusiva e igualitária.

Assessoria de Comunicação/Funai

Fonte: https://www.gov.br/funai/pt-br/assuntos/noticias/2023/mutirao-garante-registro-civil-de-indigenas-de-recente-contato-na-regiao-do-vale-do-javari