Brasília (DF) – Na manhã desta sexta-feira (27/8), um enorme caixão foi levado para a frente do Palácio do Planalto representando “os projetos de morte” dos Poderes Executivo e Legislativo. Os indígenas fizeram o trajeto de aproximadamente 3 quilômetros desde o Acampamento Luta pela Vida, na Esplanada dos Ministérios, na altura do Teatro Nacional, cantando e fazendo ritos espirituais tradicionais. Ao passarem pelo Ministério da Justiça, onde ocuparam o espelho d’água, os indígenas empunharam seus arcos e flechas para simbolizar a luta dos povos originários. O ataúde tinha mensagens gravadas, com palavras como “ecocídio”, “marco temporal não”, “fora grilagem”, “fora garimpo” e “fora Bolsonaro”.
“Esse foi um ato que representou o genocídio que está sendo cometido contra os povos indígenas com todas essas armadilhas que tiram a vida das populações. Naquele caixão, estavam todos os povos originários, que estarão mortos se forem admitidas propostas como o Projeto de Lei 490/2007, que foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara em junho”, explicou Paulo Tupiniquim, representante da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme ). “Sem terra, sem florestas, os indígenas não têm vida.”
A passagem pelo Ministério da Justiça se justifica por ali estar abrigada a Fundação Nacional do Índio (Funai). O órgão é responsável pela demarcação dos territórios, que estão sendo ameaçados pela tese do marco temporal defendida por ruralistas que disputam as terras para o agronegócio. Desde que Jair Bolsonaro assumiu à Presidência da República, o órgão não demarcou uma única terra indígena. Mas a agenda anti-indígena se estende também entre os parlamentares. No Congresso, tramita ainda uma longa lista de projetos de lei que ameaçam os direitos indígenas.
Esta sexta-feira foi o último dia programado do Acampamento Luta pela Vida , montado no domingo passado (22) em Brasília. Mas a mobilização vai se estender, com mais de 1 mil indígenas permanecendo para acompanhar o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365 no Supremo Tribunal Federal (STF). Por determinação do presidente do STF, Luiz Fux, o julgamento foi suspenso na quinta-feira (26) e será retomada na próxima quarta-feira (1º/9). Foi o quinto adiamento realizado pelos ministros da Suprema Corte nos últimos dois meses.
A Marcha das Mulheres Indígenas
Mulheres indígenas juntas com os homens na marcha até o Planalto (Foto: Diego Baravelli/Greenpeace)
O Acampamento Luta pela Vida começou a ser desmontado na tarde desta sexta-feira, com a maioria dos participantes voltando para casa. Estiveram presentes cerca de 6 mil indígenas de 176 povos de todas as regiões do país. Mas a expectativa é que já na segunda-feira o número de barracas voltará a crescer novamente, com o início da chegada das mulheres indígenas que realizam marcha entre 7 e 11 de setembro. São esperadas novas manifestações em Brasília.
A manutenção de mais de 1 mil indígenas mobilizados em Brasília foi anunciada na tarde de sexta-feira pela coordenadora-executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib ), Sonia Guajajara, no encerramento oficial do acampamento. Ela comentou que é praticamente impossível prever o número de manifestantes na próxima semana e na Marcha das Mulheres Indígenas , pois os grupos se organizam por conta própria.
“Este acampamento começou assim, com Kretã Kaingang dizendo que viria”, contou Sonia, referindo-se ao coordenador-executivo da Apib. Ele é representante da Arpin Sul, organização dos indígenas da região Sul, que começaram a se organizar com o Sudeste para vigília no STF.
Sonia Guajajara diz acreditar que o julgamento no STF coincida com a semana em que as mulheres realizam a marcha. Ela calcula que por causa das falas de 38 advogados que farão sustentação oral e dos ministros da Corte, o julgamento não se encerre nem mesmo na próxima semana. “Novamente as mulheres estarão na linha de frente para enterrar de vez o marco temporal”, exclamou na plenária final. Ela também alertou que os povos continuem mobilizados nos estados. “Precisamos mostrar que as bases estão alinhadas a este acampamento.”
A coordenadora-executiva da Apib advertiu sobre a manutenção dos protocolos sanitários. Os indígenas vieram vacinados para Brasília. Foram feitas testagens de Covid-19 logo na chegada e também serão feitos testes antes de viajarem de volta para seus territórios. Agentes de saúde indígenas tiveram o apoio de instituições como a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e Universidade de Brasília (UnB) para atendimento das pessoas. Todos os dias foram distribuídas máscaras de qualidade recomendada por especialistas e foram observados os protocolos sanitários para proteção de todos.
‘Programa genocida’
Protesto em frente ao Planalto (Foto: Leo Otero/Greenpeace)
“Conseguimos atingir os objetivos”, afirmou o articulador político da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia (Coiab ), Toya Manchineri. “Nossa primeira vitória foi o acordo com o GDF (Governo do Distrito Federal) para que a Polícia Militar respeitasse distanciamento nas marchas indígenas, e nos comprometemos que eles deixariam no acampamento tacapes e bordunas”, disse.
“Demonstramos que Bolsonaro, com seu programa genocida, não vai nos calar e que lutaremos para derrubar seus empecilhos. Agora esperamos a quarta-feira. Já temos como vitória o voto favorável do relator (Edson Fachin) e a Marcha das Mulheres deve ser fundamental como os rituais de nossos povos para abrir a mente dos ministros, sensibilizando-os para decidir com carinho sobre uma decisão tão importante”, acrescentou Manchineri.
O articulador político da Coiab relatou que a Marcha das Mulheres está sendo organizada nos estados há quatro meses. “Com certeza não teremos menos de 500. É imprevisível, pois cada grupo se organiza por conta própria. Este acampamento que se imaginava serem uns 800 chegou a 6 mil. É difícil prever”, comentou. Ele enfatizou a importância da extinção da tese do marco temporal para a proteção de pessoas, territórios e biodiversidade.
Toya Manchineri também é coordenador de Territórios e Recursos Naturais da Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (Coica, na sigla em espanhol), que tem sede no Equador. Ele disse que em toda a Amazônia faltam ser demarcados 100 milhões de hectares de Terras Indígenas e Unidades de Conservação para que o Brasil consiga cumprir seus compromissos de redução da emissão de gases de efeito estufa. Toya Manchineri comparou o número com os 115 milhões de hectares de TIs demarcadas no Brasil e disse que “nossos territórios e as unidades de conservação são barreiras legais para o desmatamento”.
Segundo Toya Manchineri, a Coiab deve levar, junto dos nove países que integram a Coica, uma proposta global para a conservação de 80% da Amazônia internacional à 26ª Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas, que acontece em novembro na Escócia. Ele enfatizou que as ameaças à Amazônia nos países vizinhos são semelhantes à brasileira. Há, por exemplo, empresas petroleiras, especialmente no Equador, que provocam graves problemas de contaminação de águas para os povos indígenas. Ele disse que está sendo preparado material para levar à COP 26 sobre exemplos indígenas de controle tradicional de fogo e tecnologias de monitoramento de territórios tradicionais, que são pensados não apenas para evitar invasões e destruições, mas para captação de informações necessárias a propostas de políticas públicas.
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