Cuiabá (MT) – O adolescente indígena de 16 anos da etnia Guarani Kaiowá Cleijomar Vasques, foi golpeado na cabeça até a morte para depois ser abandonado na rodovia MS-156, na madrugada de 12 de novembro, de acordo com informações da comunidade da reserva Limão Verde, em Amambai (MS), onde o garoto morava. É o terceiro caso com as mesmas características na região e que já vêm sendo tratados por entidades como “crimes de ódio”. As três vítimas eram pessoas LGBTQIA+.

De acordo com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), “por ele ser assumidamente gay, seus assassinos tentaram dissimular o crime”, jogando o corpo na estrada, dando a entender que teria sido suicídio ou atropelamento. A Apib, no entanto, denuncia  o caso como assassinato. “Faz parte de uma série de crimes de ódio na mesma localidade”, afirma em nota. Neste mesmo ano, Timi Vilhalva e Gabriel Rodrigues, outros dois jovens indígenas de orientação sexual diferente da heteronormativa, foram mortos em circunstâncias semelhantes. “Indício de uma perseguição sistemática à vida dos LGBTI+ indígenas.”

Daiane Alves, do coletivo LGBTI+ da Via Campesina Brasil, afirma que já se fala em uma lista de marcados para morrer por homofobia em Limão Verde. “Este é o terceiro, sempre falam em suicídio, atropelamento, mas para nós é assassinato mesmo, ódio, deixar um corpo na rodovia, sem uma coberta, para ser estraçalhado, é um descaso com o ser humano”, lamenta.

As entidades Apib, Assembleia Geral do Povo Kaiowá e Guarani (Aty Guasu) e a Via Campesina, organização internacional que articula movimentos camponeses, manifestaram repúdio, denunciando a violência e cobrando justiça. Para a Via Campesina, Cleijomar foi brutalmente assassinado e garante que vai buscar respostas. “Afirmamos aqui que não naturalizaremos a violência. Nossos povos têm diversidade, cor, raça e etnia e têm raízes!”

Uma liderança indígena em Limão Verde relatou que, apesar de sofrer perseguição e discriminação, Cleijomar era alegre, legal e engajado. “Conheço esse menino desde que era criança. Essa questão de gênero é algo muito recente na aldeia Limão Verde e ele, ao longo do tempo, vinha se transformando em uma liderança da juventude Guarani Kaiowá, disposto a discutir o tema, transformar”, afirma. O adolescente também era engajado na luta pela retomada das terras indígenas tradicionais de seu povo, que, há 100 anos, foi obrigado, pelo Estado, a sair delas.

Essa liderança de Limão Verde ouvida pela Amazônia Real, que pediu para não ter sua identidade revelada, especula que os responsáveis pelos crimes sequenciais podem ser fazendeiros, moradores da cidade ou mesmo integrantes da própria comunidade indígena. “Alinham-se com não indígenas por também serem homofóbicos”, afirma. Ela reclama que a polícia nunca deu respostas para as mortes de Timi, Gabriel e agora de Cleijomar.

Há poucas informações disponíveis sobre as mortes de Timi e Gabriel. O que se sabe é que, conforme a comunidade narra, os dois eram jovens, morreram com golpes na nuca e foram deixados na mesma estrada. Também eram pessoas LGBTQIA+. Timi morreu em janeiro e Gabriel, em agosto. Como a polícia não dá respostas concretas sobre esses crimes, nesta quinta-feira (1), uma comissão de Direitos Humanos formada por representantes de diversos movimentos sociais vai a Limão Verde apurar no local detalhes sobre essas ocorrências.

Região de conflitos

A comunidade Tekoha Guapo’y Guasu se mobilizou para enfrentar à reintegração (Foto: Tiago Miotto/Cimi)

A Limão Verde já é uma reserva indígena, porém outras ainda estão em litígio na região. Na Tekoha Guapo’y, o Batalhão de Policiamento de Choque, da Polícia Militar do Mato Grosso do Sul, executou, em junho, uma reintegração de posse, porém sem ordem judicial. A ação resultou na morte a tiros de Vitor Fernandes, de 42 anos. Com uma deficiência na perna, Fernandes teve dificuldade de fugir da operação. O episódio deixou feridos, inclusive uma criança de 12 anos, atingida na barriga, e a comunidade entrou em pânico. Os Guarani Kaiowa reivindicam parte da área da Fazenda Borda da Mata, de 269 hectares, como território ancestral.

A Tekoha Guapo’y fica a cerca de 8 quilômetros de Limão Verde. A região é violenta, conflituosa e preocupante para o Conselho Indigenista Missionário (Cimi). O missionário Flávio Machado disse que, quando soube da morte de Cleijomar, conversou com a comunidade de Limão Verde. Ele ressalta que as autoridades precisam identificar os responsáveis por esses atentados, responsabilizá-los criminalmente, porque a impunidade autoriza o ódio.

Segundo ele, a polícia devia considerar, ao colher depoimentos, que talvez as pessoas não revelem tudo que sabem, por medo. “Então é necessária uma investigação mais profunda, porque esses casos sequenciais parecem revelar um padrão de violência de gênero, mas que podem ter também relação com conflitos fundiários. Têm que verificar se há relação entre esses três assassinatos na Limão Verde. E somente as autoridades policiais podem fazer esse trabalho”, diz Machado.

O inquérito da morte de Cleijomar está em curso e quem o conduz é o delegado de Amambaí Guilherme Tiago Andrade. À imprensa local, ele afirmou que o laudo da morte aponta para atropelamento. A vítima estaria deitada na pista, quando um veículo passou por cima.

Fernanda Mendes, assessora de comunicação da Polícia Civil do Mato Grosso do Sul, conversou com a Amazônia Real, e resumiu que “o inquérito está tramitando e por enquanto não há nenhum indicador de crime de ódio”. A reportagem tentou reiteradas vezes falar diretamente com o delegado do caso, para saber se ele vê relação entre as três mortes em Limão Verde, mas não conseguiu.

A reportagem tentou também falar com a mãe de Cleijomar, mas conforme liderança da reserva Limão Verde, está sem condições emocionais de dar entrevista e os indígenas buscam inclusive acompanhamento psicológico para ela. O adolescente tinha ainda um pai e cinco irmãs.

“No auge de sua juventude, (Cleijomar) gostava de jogar bola, dançar e cursava o 1º ano do Ensino Médio, tendo o português como sua matéria preferida, o qual vinha aprimorando o aprendizado da língua e tinha o sonho de seguir seus estudos. Relatos de seus amigos e parentes comovidos pela perda, afirmam que ele só queria ser feliz do jeito que é, vivendo junto de seu povo, com a garantia do direito ao território”, diz trecho da nota da Apib.

“Assassinatos sem elucidação”

O deputado Pedro Kemp (PT-MS) com os Guarani Kaiowá (Foto: Giovanni Coletti).

Ao tomar conhecimento de mais essa morte, o deputado Pedro Kemp (PT-MS) formalizou ao secretário de Estado de Segurança, Antônio Carlos Videira, um pedido para uma atenção redobrada ao caso. “Tudo indica que foi mesmo assassinato e a motivação homofobia, apesar de que o Cleijomar era também ativista pela retomada de terras tradicionais. Mas aqui em Mato Grosso do Sul é um problema para tratar da violência contra indígenas. São inquéritos que não andam, é uma má vontade, são assassinatos sem elucidação”, afirma.

Kemp chegou a ir até Amambai, em junho deste ano, diante de tantos conflitos. Segundo o parlamentar, o fato dos três terem sido mortos no mesmo ano e da mesma forma é muito emblemático, embora não seja possível afirmar que há relação entre as ocorrências. “Jogam na rodovia para dizer que foram atropelados, mas é preciso investigar seriamente, apurar esses casos”, cobra o deputado, que além de fazer parte da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul, também compõe o Conselho Estadual de DH, através de sua Comissão de Assuntos Indígenas.

O parlamentar ressalta que na região de Limão Verde a violência está no ar, seja devido aos conflitos agrários, à homofobia e também à intolerância religiosa. “Uma pajé Guarani Kaiowá foi humilhada e agredida por fundamentalistas evangélicos da própria comunidade que entendem que as crenças tradicionais são bruxaria, feitiçaria. Aí queimam as casas de reza, agridem as pessoas, um momento de muito desrespeito que estamos vivendo”, lamenta. O próprio Kemp diz ter sido agredido em Campo Grande, no último domingo (27), enquanto saía da igreja. “Um bolsonarista me chamou de bandido, canalha e me deu um soco no peito. Olha o tempo de absurdos que chegamos”, diz.


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Reportagem Noticiosa

 Sobre a matéria

Keka

 Keka Werneck

Keka Werneck é jornalista mineira, formada pela UFJF, e atua em Cuiabá (MT) há mais de 20 anos. Já trabalhou em jornal impresso, site, TV, rádio, assessoria de imprensa e, não importa onde esteja, sempre se interessa em ir atrás de pautas voltadas aos direitos humanos. Se interessa muito em “amar e mudar as coisas”, citando Belchior. É casada, mãe de três filhos, vice-presidente da ONG Mães pela Diversidade MT e ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas de Mato Grosso (Sindjor-MT).

Fonte: https://amazoniareal.com.br/indigenas-lgbtqia-sao-assassinados-no-mato-grosso-do-sul/

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