Campo Grande (MS) – O Ministério Público Federal em Dourados (MS) anunciou nesta terça-feira (07) que está acompanhando as investigações da Polícia Federal sobre os ataques aos indígenas Guarani-Kaiowá, que aconteceram na semana passada nas retomadas (também chamadas de “Tekoha”) Nhu-Vera e Aratikuty, no entorno da Terra Indígena Dourados, distante a 225 quilômetros de Campo Grande.

Cinco pessoas, sendo quatro indígenas e um segurança, ficaram feridas com arma de fogo e balas de borracha. Os indígenas acusam como responsáveis pelos ataques seguranças contratados por proprietários rurais, policiais militares e agentes do Departamento de Operações de Fronteira (DOF).

Em entrevista à Amazônia Real, o procurador da República em Dourados, Marco Antônio Delfino de Almeida, classificou os ataques de “incidente de violência envolvendo indígenas e fazendeiros”. Segundo ele, a investigação preliminar aponta que ambos os lados estavam armados. Três pessoas que foram feridas devem passar por exame de corpo de delito. A Polícia Federal irá tomar depoimentos de todos os envolvimentos no caso, diz Almeida.

Em nota publicada nesta terça-feira (7), o presidente em exercício da Fundação Nacional do Índio (Funai), Alcir Amaral Teixeira afirmou que, se necessário, solicitará apoio do Ministério da Justiça e Segurança Pública, mobilizando a Força Nacional “para garantir a paz social nas aldeias (Guarani-Kaiowá) e a integridade de nossos servidores”. (Leia a íntegra da nota aqui)

Indígena é socorrido por parentes Guarani Kaiowá
(Foto reprodução)

Dos quatro indígenas Guarani-Kaiowá feridos dois continuam internados: Modesto Fernandes, que foi atingido à bala no rosto e passou por uma cirurgia na sexta-feira (3); e o menino de 11 que perdeu três dedos da mão esquerda após um artefato similar a uma granada estourar.

Os indígenas afirmam que mulheres e homens usaram pedras e paus para tentar revidar os tiros.

De acordo com a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), Modesto sofreu complicações no pós-operatório “em um dos olhos”, já que o tiro atingiu os nervos. O garoto, por estar bastante abalado, precisou de atendimento psicológico. Os pacientes estão internados no Hospital Vida, em Dourados. Os outros indígenas que já foram atendidos e liberados são: Gonçalvez Rolim e Gabriel Vasquez.

O segurança ferido é Wagner André Carvalho, que foi atingido por um tiro no tórax durante o conflito. Ele segue internado.

Conforme a reportagem da Amazônia Real publicou, os Guarani-Kaiowá relataram que o ataque maior aconteceu na retomada Nhu-Vera. Eles dizem que os seguranças chegaram atirando com arma de fogo na noite de quinta-feira (02) e que a ação se estendeu até às 12h de sexta-feira (03) para expulsá-los da terra, que é disputada por um fazendeiro. Depois, os seguranças acionaram policiais militares. O batalhão da PM contou com apoio de policiais do Departamento de Operações de Fronteira (DOF).

Para a surpresa dos indígenas, eles afirmam que os policiais atiraram contra eles com balas de borracha. Dizem que estranharam a presença dos policiais do DOF, já que a corporação costuma manter ações somente na fronteira, geralmente relacionadas ao tráfico de drogas. A ação policial se estendeu pela tarde de sexta-feira.

As retomadas Nhu-Vera e Aratikuty são acampamentos onde vivem aproximadamente 50 famílias. Elas reivindicam a demarcação dos territórios que estão invadidos por propriedades rurais. As retomadas ficam próximas da aldeia Bororó, que fica na Terra Indígena de Dourados.

Em resposta à Amazônia Real, a Polícia Militar disse que só se pronunciará através da Secretaria Estadual de Justiça e Segurança Pública (Sejusp). O DOF foi procurado, mas não respondeu a solicitação da reportagem para explicar sua versão do conflito.

Procurada anteriormente, a Sejusp negou a participação dos policiais nos ataques aos indígenas e proteção aos seguranças das fazendas e diz que a ação com balas de borracha “foi preventiva”.

À reportagem, a Superintendência da Polícia Federal disse que “não se pronuncia sobre investigações em curso”, confirmando a abertura do inquérito.

Indígena ferido no ataque do dia 3 de janeiro de 2020
(Foto reprodução)

Segundo o site do jornal Campo Grande News, em um vídeo “é possível ver o cano da arma de um dos seguranças”. A reportagem relata que, “em seguida começam os tiros. Outras imagens mostram o clima de tensão e trocas de ameaças entre índios e seguranças privados, contratados pelos proprietários para conter as invasões nas regiões norte e oeste de Dourados”. Um indígena estaria armado. Os outros com arcos e flechas contra os seguranças.

O procurador Marco Almeida disse à Amazônia Real que “os vídeos do incidente foram coletados pela Polícia Federal e devem ser periciados para verificação de autenticidade”.

“Preliminarmente, o MPF entende que o monopólio da força é do Estado e que os envolvidos [indígenas e fazendeiros] devem ser responsabilizados, na medida de sua atuação no conflito”, afirmou Almeida.

Funai ouve indígenas

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O presidente em exercício da Funai, Alcir Amaral [terceiro da direita para a esquerda], e o ouvidor, Ricardo Almeida [primeiro à direita] se reuniram com lideranças indígenas no MS (Foto: Acervo Funai)

Nesta terça-feira (7), a Fundação Nacional do Índio (Funai) informou que o presidente em exercício, Alcir Amaral Teixeira, acompanhado do ouvidor da fundação, Ricardo Almeida Pinto, se reuniu com lideranças indígenas Guarani-Kaiowá e produtores rurais na região de Dourados (MS), entre os dias 5 e 6 de janeiro, para buscar a resolução dos recentes conflitos. “Faz parte da nova gestão da Funai adotar estratégias de ouvir diretamente as demandas das comunidades indígenas, sem intermediários”, disse a Funai em nota publicada no site.

“Ao atuar dentro da legalidade judicial tendo o diálogo como base de ação, a Funai procura estabelecer o entendimento entre as partes envolvidas. Se necessário, solicitamos apoio do Ministério da Justiça e Segurança Pública, mobilizando a Força Nacional para garantir a paz social nas aldeias e a integridade de nossos servidores”, afirmou o presidente em exercício da Fundação, Alcir Amaral Teixeira.

Segundo a Funai, durante os três dias de visita ao Mato Grosso do Sul, a comitiva da presidência também se reuniu com coordenadores regionais responsáveis pelo atendimento às demandas indígenas da região de Dourados.

Histórico de ataques

Indígenas Guarani no túmulo de Clodiodi na Terra Indígena Dourados-Amambaipeguá 1
(Foto: Izabela Sanchez/2016)

A Terra Indígena Dourados foi demarcada pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), órgão indigenista criado em 1910 e extinto em 1967 e substituído pela Funai. O território tem 3.465 hectares para uma população de quase 20 mil pessoas. A própria Funai classifica o tamanho da terra de absurdo, pois “há menos de um hectare por pessoa”.

“Lá vivem mais de 40 grupos familiares distintos. Expulsos de outras aldeias, foram obrigados a deslocar-se para essa área que, proporcionalmente, apresenta altos índices de violência”, diz o estudo da fundação.

Em 2016, a Polícia Federal prendeu cinco fazendeiros por acusação de atacar a tiros aos menos 50 índios Guarani-Kaiowá dentro da fazenda Yvu, em Caarapó, no sudoeste do Mato Grosso do Sul. No ataque, que aconteceu em 14 de junho daquele ano, foi assassinado o indígena Clodiodi de Souza, 26 anos.

Em 2019 os Guarani-Kaiowá enfrentaram um histórico de ataques que partem de fazendeiros e pistoleiros, contrários às demarcações de territórios. Há quatro meses, segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), “capangas de pequenos sítios atiraram contra os indígenas” da aldeia Bororó. Não houve mortes. O Cimi classificou o período o mais violento já registrado nas comunidades dos Guarani-Kaiowá desde a eleição do presidente Jair Bolsonaro (PSL), que prometeu não demarcar territórios indígenas.

Os Guarani-Kaiowá vivem em situação de extrema vulnerabilidade sociocultual
(Foto: Mídia Ninja/2016)

 

 

Fonte: https://amazoniareal.com.br/mpf-acompanha-investigacao-sobre-ataques-aos-guarani-kaiowa-em-dourados-ms/

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