Nós, Kunhangue de Santa Catarina, de 20 tekoa, reunidas nos dias 27 a 31 de julho de 2021 na Tekoa Pira Rupa – Palhoça/SC, compartilhamos histórias de vida, saberes, choros, abraços, risos e cuidados. Escolhemos a carta como ‘um jeitinho bom’ de contar o que aconteceu para aquelas que não puderam estar presentes em nosso encontro, sendo está apenas um dos resultados, pois a maioria deles ficaram gravados em nossos corações, e para os outros, convidamos a todos vocês para nos ajudar a cultivar. Nestes dias, falamos e ouvimos sobre a importância das Kunhangue no dia-a-dia no território, tivemos os momentos sensíveis para relatos das ainda atuais violências que sentimos, e finalizamos com a força milenar da cura e saúde das mulheres, o kunhangue reko.

Iniciamos discutimos sobre a força e as dificuldades das mulheres que são chefes de família, ouvindo as histórias de vida de muitas guerreiras de nosso povo que no cotidiano vem sendo responsáveis por um dos momentos mais sagradas de nossa vida, o momento de nossa alimentação – tanto de nossos corpos quanto nossos espíritos. Afirmamos a problemática das entradas de alimentos industrializados em nossas tekoas, e relatamos como elas tem afligindo nossa saúde e na nossa vida como ser humano a nossa forma de relação comunitária com os alimentos.

Queremos viver bem, com muito mborayu e saúde! Os fundamentos de nosso encontro foram os aconselhamentos com nossas xejaryi, no aprender ouvindo e também fazendo as boas práticas de alimentação, cuidado e resguardo, sobre nossos remédios e curas. Como essas práticas são essenciais para as gestantes e para as crianças, são base para todos nós e nossos territórios.

Saudamos as parteiras, das mitãjaryi, e agradecemos a vida e o trabalho que essas médicas tradicionais realizam. Esse foi um dos temas que trouxeram relatos dolorosos, de como nossas jovens e mães têm sido desrespeitadas em seus momentos de parir. Um dos pontos principais levantados foi o pedido de que as nossas placentas sejam tratadas com os nossos rituais de entregarmos ela para a Terra para que permaneçam nas tekoa, pois assim nossos filhos se tornam jovens e adultos conectados com nosso território, pois permanecem conectados através da placenta e cordão umbilical e com isso capazes de defender nosso povo, o nhandereko. É muito importante que o sistema de saúde que nos atende entenda e respeite as nosso modo de ser.

Nós mulheres Guarani carregamos os conhecimentos milenares sobre a Mata Atlântica e as sementes. Na Tekoa Pira Rupa lembramos que temos remédio, força e sabedoria de sobra. Fizemos uma busca das medicinas da região e pudemos coletar remédio para todos os tipos de doença e males e juntas cozinhamos nosso alimento sagrado que são medicinas para cura do nosso corpo e do nosso espírito. Com o riso solto, fizemos os chás para benzimentos e banhos com as ervas medicinais. Era um cheiro de aromas espalhados no encontro, e a cura estava sendo feita não só dos nossos corpos, mas também na nossa memória. Coletamos nossas medicinas na mata, contando e ouvindo sobre o poder de cada erva medicinal, preparamos o avaxi ku’i, mbojape, kaguijy, entre outros alimentos e lembramos dos nossos avôs, nossas avós, lembramos das histórias que vão sendo contadas, do que faziam antigamente, e assim vamos nos curando, vamos ficando melhores.

Não podemos perder o conhecimento que as xejaryi estão trazendo, para que sirva de alimento, para o que sirva de remédio. Lembrando também que não são todas as mulheres que sabem por exemplo benzer, mas entre nós, sabemos que isso existem mulheres que tem essa licença para fazer a cura. Esse conhecimento é o mínimo que precisamos ter para cuidar e manter. Precisamos disso para que o nhandereko não se perca no futuro. Estamos em uma guerra para que nosso conhecimento, o conhecimento da mulher guarani não seja apagado, desprezado, assediado.

Sabemos que dar essa importância significa também trazer os homens conosco nessa busca. Precisamos lutar juntos para que nosso direito à saúde exista respeitando o nhandereko, o kunhangue reko, sem nunca esquecer das necessidades das mulheres e crianças. Então, decidimos que no final do encontro, escreveremos juntas um documento para a SESAI e outras autoridades, fazendo essa cobrança. Precisamos que o sistema de saúde juruá, nos escute e nos respeite, para isso, precisamos também do apoio dos homens de nossas tekoa, para que levem essas urgências trazidas pelas mulheres para todas as discussões das quais eles participam para discutir política de saúde, seja com SESAI Funai e outras instituições juruá, seja mesmo entre eles da Comissão nhemongueta e outros grupos de caciques.

Temos falado sobre os muitos tipos de violência que nos fazem sofrer, e sempre confirmamos a importância do diálogo entre as mulheres com os homens e seus filhos e filhas. Discutimos sobre como podemos criar esses espaços de fala e entendimento, sem julgamento. Não queremos também que os homens sofram, queremos nos cuidar juntos, fazer juntos nossa luta, andando lado a lado. Não queremos andar atrás. Queremos que as mulheres da comunidade tenham mais participação nas organizações e conselhos, para que que olhem mais para nós todas.
A luta contra a cultura da violência às mulheres, e a importância de reverter este triste quadro que se estende as gerações foi também um dos grandes desafios que tiramos neste encontro. Foi reafirmado por todas que o modo de vida original nhanderu criou a mulher para ser companheira dos homens, não sendo cultural e espiritual a violência contra as mulheres, tema que muitas vezes é ultilizada até no meio jurista erroneamente para defender o abuso e violência contra as mulheres, trazida pelo homem branco, e defender abusadores. Alegando ser cultural, um dos exemplos: os estupros. Não aceitamos mais nada que nós façamos sofrer e sentir dor seja ela física ou psicológica.

As mulheres desde 1500 foram linha de frente na resistência do modo de vida Guarani desde da proteção dos territórios, crianças e vulneráveis à ataques feitos pelos Juruá desde a invasão dos territórios. Foi relatado sobre a cultura juruá machista dentro das aldeias, quando se naturaliza a violência e abuso das mulheres. Foi refletido que um determinado momento o respeito tradicional entre homens e mulheres, ensinado desde criança, foi transgredido, sendo inserido uma ideologia de abusos contra as meninas e mulheres mais novas. A importância da atividade foi direcionar as mulheres que a violência contra a mulher não é algo normal, não é do Nhandereko, principalmente para as mulheres lutar, acompanhar e reverter esses casos dentro das comunidades.

Saímos das atividades fortalecidas para poder se firmar juntas e com as outras parentes das aldeias a denúncia e a luta contra a violência às mulheres. Não precisamos que nos deem voz: nós já temos, precisamos que nos deem ouvidos! Nossos encaminhamentos são: (” porque atrás de um grande homem, existe uma grande mulher”)
Vamos desconstruir as linguagens da inferiorização das mulheres. Vamos desvendar as lendas. Nossa visão de futuro é que ao lado de um grande homem estejam as grandes mulheres. A avós, as mães, as companheiras, as filhas e netas.

1• Realizar um documento direcionado a SESAI feito pela comissão guarani yvyrupa, exigindo para que os hospitais preservem placentas e outras partes do corpo para ser retornado à os territóriospara realização dos trabalhos sagrados da cultura.
2• Foi apontada a importância de valorizar as parteiras tradicionais, ter um espaço para poder realizar os partos nas aldeias e a formação de novas parteiras.
3• Na questão da alimentação,
O diálogo da sesai com as comunidades e hospitais para quando a mulher ter o bebê nos hospitais, que atenda essa dieta do resguardo com alimentação específica para seu resguardo.
4* Que seja contratada mulheres com conhecimentos nutricionistas para poder gerir e atuar na questão alimentar e resgatar os alimentos tradicionais muito importantes para saúde de todas as comunidades do povo Guarani.
5• Que a SESAI contrate agentes de saúde guarani com a entendimento de cura. Para todas as aldeias que ainda não tem agentes feminino.
6* pedimos para seja paritária a participação das kunhangue dentro do controle social de saúde e da gestão da saúde, seja ela dentro dos conselhos locais ou dentro da sesai.

Incentivamos e fortalecemos umas às outras para fazer outros encontros como esse em suas tekoa. Porque falar sobre as nossas vidas, da gestão dos nosso territórios e da manutenção das políticas públicas e nós kunhangue somos donas e gestoras dessas grandezas.

Somos Yvyrupa.

Aguyjevete para quem não bate, não estupra e não humilha.
Demarcação já!

COMISSÃO GUARANI YVYRUPA
Kunhangue Nhemboaty
I Encontro Estadual de Mulheres Guarani
Santa Catarinak

 

 

 

Fonte: https://apiboficial.org/2021/08/02/a-luta-da-mulher-guarani-na-defesa-dos-territorios/

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