Foto: Tukumã Pataxó/ Apib
A câmara irá discutir a constitucionalidade da Lei 14.701, que transformou a tese do marco temporal em lei. A próxima reunião está marcada para o dia 28 de agosto.
Após o fim da primeira reunião da câmara de conciliação do Supremo Tribunal Federal (STF), realizada na última segunda-feira (05/08), em Brasília, para discutir a Lei do Genocídio Indígena (Lei 14.701/2023), a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) irá avaliar a sua permanência na composição da câmara. A organização, maior referência do movimento indígena no país, também denuncia uma série de violências institucionais enfrentadas por seus representantes na tarde de segunda.
“Pedimos 48 horas para avaliar e decidir, em conjunto com as regionais de base, se vamos continuar compondo a câmara e o cronograma de datas estabelecido por eles”, conta Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib. A próxima reunião da câmara de conciliação está marcada para o dia 28 de agosto.
Kleber também afirma que só é possível continuar se houver suspensão da lei até o fim das discussões, o que não foi atendido pela Corte até o momento. “Isso foi pedido pelas lideranças e outros grupos presentes, mas percebemos que é algo que o Supremo não quer deliberar”, complementa Kleber.
A Lei do Genocídio Indígena transformou em lei o marco temporal e diversos crimes contra os povos indígenas, como a contestação de demarcações, além de permitir que invasões de Terras Indígenas possam ser consideradas de boa-fé. O texto foi promulgado em dezembro de 2023, mesmo após o STF declarar a tese do marco temporal inconstitucional em setembro.
A primeira reunião da câmara, convocada pelo ministro Gilmar Mendes, foi conduzida pelos juízes Diego Veras e Lucas de Almeida Rosa. Além de Kleber Karipuna, mais cinco representantes da Apib estiveram presentes: Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib, Maurício Terena, coordenador do departamento jurídico, Kari Guajajara, assessora jurídica da Coordenação das Organizações da Amazônia Brasileira (Coiab), e Eloísa Machado, advogada e especialista em direitos humanos e STF. A deputada federal Célia Xakriabá também estava presente.
Ao longo das seis horas de reunião, o grupo pediu diversas vezes que a Corte concedesse condições iguais de participação para os povos indígenas na câmara de conciliação. Isso porque, a todo momento, membros do STF pressionavam para que as lideranças indígenas aprovassem o calendário de reuniões sem antes poderem consultar suas bases.
As regras e a composição da câmara de conciliação também não contribuem para a participação das lideranças indígenas. Os juízes do Supremo afirmaram que os acordos feitos devem ser realizados por aclamação, mas caso não ocorra consenso entre as partes, as decisões serão tomadas pelo voto da maioria. No momento, a Apib possui seis indicados contra membros do Senado, Câmara dos Deputados, governadores e prefeitos, nos quais a maioria já declarou ser a favor da tese do marco temporal, como os deputados Pedro Lupion e Bia Kicis, indicados pelo presidente da Câmara Arthur Lira.
Também participam da reunião representantes do Governo Federal e de partidos políticos que pedem a constitucionalidade da Lei do Genocídio.
“Não estávamos ali para legitimar o processo. Queríamos ser ouvidos! Não há condições dignas de sentarmos à mesa, onde os povos indígenas têm uma arma apontada para a sua cabeça“, disse a deputada Célia Xakriabá. A deputada também repudia a decisão do presidente da Câmara dos Deputados e afirma que não será suplente dos Cabrais do Século 21.
Racismo institucional
A reunião da câmara de conciliação também foi marcada pelo racismo institucional. Pouco antes de a sessão começar, Maurício Terena, junto com outras lideranças que iriam acompanhar a reunião, foram impedidos de entrar no Supremo Tribunal Federal.
“Hoje, na tarde em que o Supremo vai decidir a vida dos povos indígenas neste tribunal, pela segunda vez, estamos sendo barrados. No dia em que não queríamos estar aqui. A presidência ligou e deu a ordem de liberação e seguimos sendo barrados. Esse é o cenário conciliatório da Suprema Corte Brasileira. Estamos cansados”, disse ele.
A entrada do grupo foi aceita após um pedido do ministro Luís Roberto Barroso, presidente da Corte, que pediu desculpas pelo ocorrido na audiência. Essa é a segunda vez que o advogado indígena é barrado ao se dirigir ao prédio do STF para uma agenda. À época, o STF disse em nota que se tratava de um “erro de procedimento pontual”.
Durante a audiência, a advogada indígena Kari Guajajara também disse que as lideranças da Apib estavam constantemente sendo interrompidas e apontou a falta de tradutores indígenas na sala, o que dificulta o debate e o entendimento daqueles que acompanhavam a sessão e não falam português.
“Se continuarmos nesse atropelamento, isso será marcado pela maior violência aos direitos dos povos indígenas do Brasil, como a violação ao direito à consulta, porque eu não posso falar na minha língua originária e não me interessa, com todo respeito, se o problema é da Funai ou MPI. Queria hoje poder me expressar na minha língua originária, pois queria que os mais de 35 mil indígenas guajajara pudessem me ouvir e entender o que está acontecendo aqui. Entender que nossa história está sendo atravessada novamente de uma maneira muito violenta”, ressaltou Kari.
Além disso, o coordenador executivo Kleber Karipuna denuncia posicionamentos controversos por parte do Supremo. Ao indicar que a Articulação dos Povos Indígenas poderia não continuar na câmara, os juízes da Corte afirmaram que a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) poderia aceitar ou não os acordos propostos nas audiências. “Nos sentimos violados. É um posicionamento que nos remete à tutela do Estado e que foi superado com a Constituição de 88. Essa atitude revela como o racismo institucional está instaurado nas instâncias de poder. A Apib, junto com suas bases, é a verdadeira representante do movimento indígena”, disse ele.
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