Cemitério da comunidade quilombola do Rio Preto: uma pequena ilha de mata em meio à devastação – Reprodução/Governo do Tocantins
Monoculturas avançam sobre área de comunidades tradicionais enquanto moradores aguardam regularização
Carolina Bataier
Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
11 de setembro de 2024 às 19:08
Há cerca de 3 anos, o agricultor Domingos Rodrigues da Silva precisou abrir mão da sua criação de abelhas. Com o avanço do desmatamento, o espaço de mata onde ele mantinha a criação ficou cada vez mais reduzido, inviabilizando a atividade.
Domingos mora desde 1968 na Barra do Aroeira, que fica no Tocantins e foi o território quilombola mais desmatado do Brasil em 2023, segundo dados da plataforma Mapbiomas. As terras estão na região do Matopiba, área do Cerrado onde há intensa expansão agrícola, entre os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.
Somente no ano passado, a comunidade perdeu 2.555 hectares de mata, um aumento de mais de 600% com relação ao ano anterior.
“Na cabeceira do córrego tá tudo desmatado”, conta o agricultor. Com a derrubada da mata perto da nascente, o córrego assoreou, prejudicando as lavouras da comunidade, onde vivem cerca de 150 famílias. Por lá, os moradores plantam arroz, feijão, mandioca e outros alimentos. “De tudo um pouco, para o consumo”, como explica Domingos.
“Falar do Cerrado é como falar de nós. Porque a maioria do nosso modo de vida vem de estar e viver num ambiente como esse”, diz a quilombola Rita Lopes. Ela é presidente da Associação do Território Quilombola Rio Preto, área vizinha à Barra do Aroeira, onde os moradores também sentem os impactos da devastação. A destruição do bioma tem secado veredas – pequenos rios que correm entre buritizais – e impactado a biodiversidade. “A derrubada das árvores está sumindo com as abelhas, que também fazem parte do bioma e da alimentação dos quilombolas. Não só na parte de alimentos, mas também medicinal”, conta. No entorno desses territórios tradicionais, avançam as monoculturas de soja, milho e gergelim.
Em 2023, o cemitério da comunidade quilombola do Rio Preto, no Tocantins, foi reconhecido como sítio arqueológico histórico pelo Iphan / Arquivo pessoal
As duas comunidades aguardam a titulação, procedimento que garante a segurança jurídica dos moradores, concedendo o título coletivo da terra e permitindo a preservação da área. Atualmente, no Tocantins, somente o quilombo Ilha de São Vicente, em Araguatins, tem a área toda titulada.
A primeira etapa do processo de regularização territorial da Barra do Aroeira, o relatório antropológico, foi concluída em 2008. Em 2011, foi concluído e publicado o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID). Em 2021, os moradores receberam o título coletivo de uma porção de mil hectares do território.
No Território Quilombola Rio Preto, um dos elementos que atesta a presença dos antepassados dos moradores na área é o Cemitério Campo Santo do Bom Jardim, reconhecido como sítio arqueológico histórico pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 2023. Entre árvores nativas, estão os túmulos centenários da comunidade, formando uma pequena ilha de mata em meio à devastação.
Território indígena
Em 2023, o Território Indígena Porquinhos dos Canela-Apãnjekra, no Maranhão, perdeu 2.750 hectares de mata, ficando no topo da lista de territórios indígenas mais desmatados do Brasil. “Foram dois lugares da TI desmatados a partir de 2011, 2012, por aí, até agora e que formaram duas grandes fazendas hoje dominadas pela agricultura”, explica Ane Alencar, diretora de ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e coordenadora da equipe Cerrado do MapBiomas. O território tem área delimitada, mas ainda não foi homologado. A homologação é a etapa final do processo de demarcação de terras indígenas.
Ao todo, foram perdidos 7.048 hectares de vegetação nativa em territórios indígenas no Cerrado em 2023, um aumento de 188% em relação a 2022, segundo dados do Mapbiomas. Em todo o Brasil, ao contrário, houve queda no desmatamento em TIs.
Edição: Thalita Pires
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