A sentença garantiu a restituição dos objetos apreendidos, de forma ilegal, aos Akroá Gamela; a decisão foi deferida em 15 de julho, pelo Juiz Federal, substituto da 1ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária

POR JESICA CARVALHO, ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DO CIMI REGIONAL MARANHÃO

“Eu tava na minha aldeia, por que mandou me chamar?”, entoava o povo Akroá Gamella, em marcha, durante sua chegada à sede do município de Viana, Maranhão (MA), na terça-feira (16). Com corpos pintados e cantos que fazem parte da sua cultura e sua identidade étnica, o povo Akróa Gamella comemorou, em frente à 6ª Delegacia Regional, a vitória no processo que garantiu a devolução de objetos apreendidos durante a invasão a Terra Indígena (TI) Taquaritiua, em novembro de 2021.

“Estávamos homens, mulheres, crianças e adultos, cantando em frente à Delegacia, sob o sol forte do meio dia, manifestando essa energia ancestral que nós carregamos e nos carrega, pedindo força aos encantados para que a gente possa continuar nessa luta pela nossa existência”, descreve Kum’tum Akroá Gamella, liderança do povo.

“Eu tava na minha aldeia, por que mandou me chamar?, entoava o povo Akroá Gamella ao chegar na delegacia”

Indígenas Akroá Gamella em marcha até a sede da Delegacia Regional de Viana/MA. Foto: Cruupoohré Akroá Gamella

A sentença em favor dos indígenas foi deferida em 15 de julho, pelo Juiz Federal Luiz Régis Bomfim Filho, substituto da 1ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do Maranhão. Em sua decisão, o magistrado destacou que “a alegação dos requerentes está respaldada pelas notas fiscais apresentadas, que revelam seu vínculo de domínio para com os bens, de forma a lhe conferir legitimidade de requerê-los”.

Na lista de objetos devolvidos estão arcos, flechas, celulares e instrumentos usados no cultivo da terra, todos pertencentes ao povo Akroá Gamella e que foram apreendidos de forma abrupta pela Polícia Militar. “Na carta que escrevemos ao juiz, dissemos a importância dos objetos para nos proteger e não para agredir e ferir pessoas”, destaca Kum’tum Akroá Gamella.

“Na carta que escrevemos ao juiz, dissemos a importância dos objetos para nos proteger e não para agredir e ferir pessoas”

Indígenas Akroá Gamella em marcha até a sede da Delegacia Regional de Viana/MA. Foto: Cruupoohré Akroá Gamella

A restituição dos objetos dos Akroá Gamella representa mais um passo contra ações estatais que insistem em criminalizar os povos indígenas no estado do Maranhão. “Quando fazemos a proteção ao nosso território, fazemos a proteção da nossa própria existência, porque ela acontece nesse lugar. Por isso, para nós não são simples objetos são expressão de nossa existência”, acrescenta Kum’tum Akroá Gamella.

Assessoria jurídica do Cimi, Regional Maranhã, acompanha o caso e tem dando o suporte necessário para a finalização do processo. “Essa decisão do juiz constitui o fechamento de um ciclo que buscava criminalizar a atuação dos indígenas Akroá Gamella em uma situação de proteção ao seu território, aos seus locais sagrados e de sobrevivência”, ressalta Lucimar Carvalho, advogada e assessora jurídica do Cimi Regional Maranhão.

“Quando fazemos a proteção ao nosso território, fazemos a proteção da nossa própria existência, porque ela acontece nesse lugar. Por isso, para nós não são simples objetos são expressão de nossa existência”

Povo Akroá Gamella em frente à sede da Delegacia Regional de Viana/MA. Foto: Lucimar Carvalho / Cimi Regional Maranhão

Entenda o caso da TI Taquaritiua

Em 17 de novembro de 2021, indígenas do povo Akroá Gamella foi surpreendido com a presença, sem consentimento, de funcionários de uma empresa de energia elétrica do Maranhão em seu território. Juntamente com os empregados da empresa, chegaram jagunços armados, de forma hostil, que posteriormente foram identificados como policiais à paisana.

A presença dos funcionários aconteceu por decisão da empresa em instalar, na Terra Indígena Taquaritiua, torres e linhões de transmissão de energia sem autorização dos povos indígenas. A TI Taquaritiua sofre, desde 2014, com a morosidade em seu processo de demarcação por parte da Fundação Nacional do Índio (Funai). O que deixa os Akroá Gamella a mercê de invasões e ataques ao seu território sagrado. “Eles invadiram o nosso território para impor um empreendimento com alto poder de destruição de rios, de lugares sagrados, de peixes, de aves”, detalha Kum’tum Akroá Gamella.

“Eles invadiram o nosso território para impor um empreendimento com alto poder de destruição de rios, de lugares sagrados, de peixes, de aves”

Linhão no território do Povo Akroá Gamella, no Maranhão. Foto: Povo Akroá Gamella

No dia seguinte, 18 de novembro do ano passado, policiais militares chegaram à Aldeia Cajueiro e, à força, levaram algumas lideranças dentro da viatura, além de apreenderem equipamentos de comunicação, objetos sagrados e de cultivo da terra pertencentes ao povo Akroá Gamella.

Como resultado da ação ilegal da Polícia Militar, dezesseis indígenas, entre eles uma mulher lactante, foram levados, além dos objetos. As lideranças foram soltas somente no dia 20 de novembro, dois dias depois da prisão arbitrária, oito indígenas Akroá Gamella foram indiciados, porém puderam responder ao processo em liberdade. Em junho de 2022, o juiz federal Luiz Régis Bomfim Filho, após pedido do Ministério Público Federal (MPF) decidiu arquivar o processo.

“Como resultado da ação ilegal da Polícia Militar, dezesseis indígenas, entre eles uma mulher lactante, foram levados, além dos objetos”

Policiais na Aldeia Cajueiro, TI Taquaritiua, no dia 18 de novembro de 2021. Foto: Povo Akroá Gamella

Em carta, publicada à época, o povo Akroá Gamella agradeceu a força dos encantados e dos parceiros que os levaram à vitória. “Não fossem pelas forças ancestrais que carregamos em nós e pela solidariedade que nos chegou vinda de muitos lugares, teríamos perdido a esperança. Elas nos dizem que lutamos pelos nossos ancestrais e para as futuras gerações. Assim seguimos enfrentando o medo e espalhando sementes”, diz trecho do documento.

A restituição efetiva dos objetos, em 16 de agosto deste ano, pôs fim a angústia que assolava os Akroá Gamella, com a batalha judicial para provar sua inocência frente à ação ilegal realizada em seu território. Foram nove meses de medo, insegurança e cerceamento da sua liberdade. “Essa é uma luta dos nossos corpos físicos, mas, também, nessa fronteira de luta se encontram os nossos encantados, que de um outro plano continuam lutando, porque eles também precisam desse território”, afirma Kum’tum Akroá Gamella.

A liderança do povo reforça o que o território “é uma harmonia entre gente, encantados, plantas e bichos, nessa teia onde esses fios se conectam é que a vida pode aparecer pode desabrochar”.

“É uma harmonia entre gente, encantados, plantas e bichos, nessa teia onde esses fios se conectam é que a vida pode aparecer pode desabrochar”

Indígenas Akroá Gamella em marcha até a sede da Delegacia Regional de Viana/MA. Foto: Cruupoohré Akroá Gamella

Série de ataques

Além da morosidade no processo de demarcação da Terra Indígena Taquaritiua, o povo Akroá Gamella sofre constantemente ataques de não indígenas, que tentam, a todo custo, se apossar dessas terras para a criação de gado e outras atividades que visam o lucro e destroem a natureza.

Como exemplo, a ação realizada por não indígenas, em abril de 2017, que vitimou mais de treze indígenas Akroá Gamella, entre eles dois tiveram as mãos decepadas. O ataque ao território, que contou com mais de 150 pessoas, foi premeditado e divulgado, até pelas rádios locais.  Todas essas ações reforçam o racismo, a ganância e o descaso do poder público em relação à vida dos povos indígenas e, neste caso, o direito à demarcação de suas terras.

Fonte: https://cimi.org.br/2022/08/justica-federal-no-maranhao-restitui-objetos-apreendidos-ilegalmente-do-akroa-gamella/

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