Alimentar o preconceito e o ódio contra povos indígenas e seus aliados faz parte da ‘tradição’ de políticos oportunistas e aproveitadores no Rio Grande do Sul. Por Cleber Buzatto, secretário executivo do Cimi

Por Cleber César Buzatto*, secretário executivo do Cimi

Os Covatti nunca foram ‘grandes coisas’[1] no município de Frederico Westphalen[2], interior do estado do Rio Grande do Sul. Com todo o respeito aos advogados, ‘Covatti pai’[3] não passava de um causídico iniciante e mediano. Residente no meio urbano, não era prefeito, nem mesmo vereador daquele município. Visto como ‘esperto’ e ‘perspicaz’, quando, ainda na década de 1990, estouraram conflitos na região envolvendo povos indígenas que lutavam há anos pela reconquista de alguns poucos hectares das grandes extensões territoriais que lhes haviam surrupiado no processo colonizatório[4], Covatti percebeu que o tema chamava a atenção de parcela significativa das pessoas daquela região, que haviam já crescido ouvindo coisas ruins sobre os ‘bugres’[5]. Intuiu que falar mal de ‘índios’[6] chamaria para si a atenção de muita ‘gente boa’ e poderia lhe render dividendos políticos. E foi assim, com discursos inflamados e incitantes contra os indígenas, que Covatti pai se projetou politicamente até se eleger Deputado Federal. A plataforma anti-indígena mostrou-se imbatível e foi amplamente usada também para amealhar vagas na Assembleia Legislativa para a esposa[7] e na Câmara dos Deputados para o filho[8].

Atual candidato ao Senado, o Deputado Federal Luiz Carlos Heinze (PP-RS) margeava a turma do ‘baixo clero’ na Câmara dos Deputados. Originário da região sul do estado, onde os povos indígenas foram massacrados historicamente e, por isso, têm pouca presença hoje, elegeu-se defendendo o agronegócio. Ao longo dos mandatos, no entanto, também percebeu que a plataforma anti-indígena poderia lhe servir para ampliar sua base de influência. Não foi por outra razão que se destacou como um dos parlamentares mais agressivos contra os povos indígenas e seus aliados no Congresso Nacional, sendo inclusive responsável pelo conhecido discurso, feito no município de Vicente Dutra em 2013, onde afirmou que “…quilombolas, índios, gays, lésbicas” seriam “tudo o que não presta…”[9] (sic). Os ‘resultados’ desta estratégia política anti-indígena vieram ‘a galope’. Foi eleito como o Deputado Federal mais votado do Rio Grande do Sul em 2014, com quase 200 mil votos colhidos em todas as regiões do estado, o que lhe credenciou a ser pré-candidato a governador. As alianças políticas lhe renderam a candidatura ao Senado Federal na disputa eleitoral em curso.

Oriundo do litoral norte do RS, ex-assessor e apadrinhado do então deputado e hoje Ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, Alceu Moreira (MDB-RS), aparentemente, não teria motivos para embrenhar-se na temática indígena. Diante, porém, da decadência do padrinho político nos anos 2000, tomou-lhe a vaga na Câmara dos Deputados e percebeu que, se não ampliasse o raio de influência, logo teria o mesmo destino. Em pouco tempo, ‘falar mal de índio’ virou sua missão de vida. Efusivo e impetuoso, ao se referir aos povos indígenas e a seus aliados, Moreira fala ‘com sangue nos olhos’. Seus discursos, como ‘rastilhos de pólvora’, provocam e inflamam o ódio nas pessoas contra os indígenas não somente no Rio Grande do Sul. A plataforma anti-indígena ajudou a lhe catapultar para ser eleito como o segundo deputado mais votado do RS em 2014.

De uns três anos para cá, um ‘procurador do estado’ do RS, até então totalmente desconhecido, passou a figurar nas redes e nas rádios com bastante desenvoltura. Despreocupado com a verdade dos fatos, com discursos recorrentes, apelativos e uni-temáticos contra indígenas, suas lideranças e seus aliados[10], o ‘procurador’ logo passou a ser citado e referenciado por ruralistas já conhecidos, especialmente Luiz Carlos Heinze, como a voz da juridicidade pseudo-imparcial com a qual os mesmos tentavam dourar suas investidas contra a demarcação de terras indígenas no estado. Chamado pelos ruralistas, serviu aos mesmos nas CPIs da Funai/Incra, que funcionaram na Câmara dos Deputados no período de novembro de 2015 a maio de 2017.

Funcionário do estado pago com dinheiro de impostos dos sul-riograndenses, o ‘procurador’ não se envergonhou de usar grande parte de seu tempo, nos últimos anos, para ‘falar mal de índios’. Como é sabido, a temática da demarcação de terras indígenas, constitucionalmente, é atribuição federal. A Carta Magna de nosso país é inconfundível ao atribuir responsabilidades institucionais ao Ministério Público Federal (MPF) e, portanto, aos Procuradores da República, nesta temática. Que motivos, então, um ‘procurador do estado’ teria para se envolver, com tamanha voluptuosidade, nesta temática? Adivinhem. Isso mesmo. Como já prevíamos há mais tempo, ele é candidato a Deputado Federal e busca ocupar a vaga do padrinho político, o ruralista Heinze.

Alimentar o preconceito e o ódio de parcela da sociedade gaúcha contra povos indígenas e seus aliados e, concomitantemente, se beneficiar político-eleitoralmente dos mesmos faz parte da ‘tradição’ de oportunistas e aproveitadores da boa-fé alheia no Rio Grande do Sul. No próximo pleito, em 07 de outubro, veremos se esta estratégia continua ‘valendo a pena’ ou se os gaúchos dar-se-ão conta, finalmente, dos embustes a que tem sido levados.

Brasília, DF, 24 de agosto de 2018

*Natural de Frederico Westphalen, RS, é licenciado em Filosofia e Secretário Executivo do Cimi- Conselho Indigenista Missionário

[1] Expressão usada corriqueiramente no Rio Grande do Sul para se referir a pessoas que não tem muita influência, que não se destacam das demais em qualquer tema específico. Na política, por exemplo.

[2] Nome dado ao município em homenagem ao agrimensor que ajudou no loteamento de terras durante o processo de colonização da região.

[3] Vilson Covatti – Ex-deputado federal pelo PP-RS.

[4] O engenheiro, professor universitário e grande estudioso da temática indígena Moisés Westphalen, filho de Frederico Westphalen, denunciou, a partir de testemunhos do próprio pai e de estudos realizados, inúmeros episódios de esbulho territorial cometidos contra os povos indígenas naquela região. Em 1972, em artigo publicado no ‘O Estado de São Paulo’, ele afirmou “O governo gaúcho sempre participou da exploração da terra dos índios e a Funai é uma morta-viva. O que estão fazendo com os índios no Rio Grande do Sul é um genocídio, porque eles não podem viver sem terra” (OESP, 28.2.72).

[5] Expressão pejorativa usada de modo generalizado, por não indígenas, para se referir aos indígenas no Rio Grande do Sul. Trata-se de um arbusto conhecido por provocar alergias e coceiras em muitas pessoas. Algo tido como ruim, que incomoda. Era corriqueiro o uso da referência do ‘bugre’ para amedrontar as crianças que porventura se afastassem um pouco dos pais ou do quintal da própria casa. Expressões como “Não vai lá que os ‘bugres’ te pegam e te levam embora dentro dos balaios” eram quase automáticas, usadas a rodo no processo ‘educacional’ desde os primeiros anos de vida das crianças não-indígenas no estado.

[6] Expressão comumente utilizada de forma genérica para se referir a indígenas, ignorando suas comunidades, organização social e mesmo a que povos pertencem.

[7] Silvana Covatti (PP-RS).

[8] Covatti Filho (PP-RS).

[9] https://www.youtube.com/watch?v=PjcUOQbuvXU
[10] http://deputadoheinze.com.br/index.php/impresa-top/noticias/1733-pfc https://www.youtube.com/watch?v=iw0x0OmLTG4

Fonte: https://cimi.org.br/2018/08/o-anti-indigenismo-como-plataforma-eleitoreira-no-rs-o-caso-do-procurador-do-estado/

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