Apib decidiu se retirar da Mesa de Conciliação no STF sobre a Lei 14.701. Foto: Tiago Miotto | Cimi
Após saída da Apib da mesa de conciliação, doze organizações reforçam críticas à condução e à falta de clareza acerca do objeto em debate na mesa de conciliação
Por Assessoria de Comunicação do Cimi
Doze organizações e representações que atuam como amici curiae – “amigas da Corte” – no processo que discute a constitucionalidade da Lei 14.701/2023 divulgaram uma nota pública em que criticam a condução da mesa de conciliação sobre o tema que ocorre no Supremo Tribunal Federal (STF), determinada pelo ministro Gilmar Mendes. As organizações também prestam apoio à Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que se retirou da mesa de conciliação nesta quarta-feira (28) por entender que “qualquer negociação sobre direitos fundamentais é inadmissível”.
A mesa de conciliação foi estabelecida no âmbito da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 87 e das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 7.582, 7.583 e 7.586, assim como da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 86, todas elas sob a relatoria do ministro Gilmar Mendes.
“Apib se retirou da mesa de conciliação por entender que qualquer negociação sobre direitos fundamentais é inadmissível”
Na nota, as organizações pontuam críticas em relação ao formato e à condução da mesa de conciliação, a começar pelo fato de que as tratativas começaram a funcionar sem que pedidos da Apib fossem sequer apreciados. “Em especial”, destaca a nota, “a necessidade de afirmar a inconstitucionalidade da Lei 14.701, ao menos de seus dispositivos em completo desacordo com o julgamento do STF no Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365”.
O julgamento em questão, de repercussão geral, foi concluído em setembro de 2023 e fixou o entendimento da Suprema Corte sobre os direitos constitucionais indígenas. A posição do STF foi diametralmente oposta a diversos pontos que, depois, foram incluídos pelo Congresso Nacional na Lei 14.701. A norma está em vigor desde sua promulgação, em dezembro de 2023.
“A necessidade de afirmar a inconstitucionalidade da Lei 14.701, ao menos de seus dispositivos em completo desacordo com o julgamento do STF no RE 1.017.365”
As organizações apontam que a falta de clareza sobre o objeto da discussão nas audiências de conciliação levam a crer que os direitos territoriais indígenas, reconhecidos como direitos fundamentais pelo próprio STF no julgamento de repercussão geral, podem acabar sendo “negociados e mesmo sofrer retrocesso”.
A nota aponta ainda uma postura intransigente do coordenador das audiências em relação aos representantes indígenas e cita as ameaças de que, sem conciliação, “uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para instituir o marco temporal de 5 de outubro de 1988 seria posta em votação” pelo Congresso.
“A falta de clareza sobre o objeto da discussão nas audiências de conciliação levam a crer que os direitos territoriais indígenas podem ser negociados”
“O sentimento coletivo, tanto das representações indígenas como das entidades que há décadas trabalham com a matéria, foi de indignação e humilhação, dado o aviltamento a que foi submetida questão constitucional”, afirma o documento.
Apesar das críticas à mesa, as entidades reafirmam a confiança na capacidade do STF em “compreender o sentido do artigo 231 da Constituição Federal”, citando o julgamento do RE 1.017.365 como um exemplo de entendimento a ser mantido.
“O sentimento coletivo foi de indignação e humilhação, dado o aviltamento a que foi submetida questão constitucional”
Leia a nota na íntegra:
Nota dos amici curiae sobre a condução da mesa de conciliação que discute a constitucionalidade da Lei 14.701/2023
As entidades abaixo relacionadas, todas admitidas como amici curiae nos autos da ADC 87, onde se encontram reunidas as ADI 7.582, 7.583 e 7.586, bem como a ADO 86, vêm externar a sua posição a respeito da condução dos trabalhos, pelo juiz auxiliar Diego Viegas Veras, no âmbito da Comissão Especial instituída pelo Ministro Gilmar Mendes com o propósito de buscar a resolução de problemas “no que se refere ao tema dos direitos da população indígena e não indígena que envolvem o art. 231 da CF e a Lei 14.701/2023”.
- A Comissão Especial começou a funcionar sem que questões prejudiciais, suscitadas reiteradamente pela Apib, fossem respondidas, em especial a necessidade de afirmar a inconstitucionalidade da Lei 14.701, ao menos de seus dispositivos em completo desacordo com o julgamento do STF no RE 1.017.365. Há jurisprudência tranquila no sentido de que uma lei que surge em oposição direta ao entendimento do STF nasce com a presunção iuris tantum de inconstitucionalidade, recaindo sobre o legislador ônus argumentativo que justifique a razão de superação de julgado da Corte, o que não ocorreu.
- A audiência inaugural da Comissão Especial, sob o comando do juiz Diego Viegas Veras, começou com a ameaça de que, caso não houvesse a conciliação, uma PEC para instituir o marco temporal de 5 de outubro de 1988 seria posta em votação. Um áudio protagonizado pelo presidente do Senado Federal foi colocado em alto volume, para que não houvesse dúvidas a respeito. O mesmo ocorreu na segunda audiência, onde a postura da condução da mesa foi demasiado intransigente com os apontamentos feitos pelos povos indígenas, reduzindo os questionamentos constitucionais a “questões laterais”.
- Na sequência, vários incidentes demonstraram o absoluto desconhecimento do juiz instrutor com a temática posta sob conciliação, ora sugerindo que a Funai teria algum papel de representação dos povos indígenas, ora afirmando que a conciliação seguiria mesmo sem a presença da representação indígena.
- Tampouco houve clareza sobre os limites do que seria passível de conciliação, tudo levando a crer que direitos cuja fundamentalidade foi afirmada pelo próprio STF no julgamento do RE 1.017.365 poderiam ser negociados e mesmo sofrer retrocesso.
- O sentimento coletivo, tanto das representações indígenas como das entidades que há décadas trabalham com a matéria, foi de indignação e humilhação, dado o aviltamento a que foi submetida questão constitucional.
- A decisão tomada no dia de hoje, de saída da Apib enquanto movimento de representação nacional e que agrega organizações de todas as regiões do Brasil, é referendada pelas entidades signatárias por duas razões muito básicas. A primeira é que a própria ideia de conciliação como autocomposição de conflitos parece supor que todas as partes concordaram com essa forma de solução da controvérsia. Quando uma das partes a recusa, o tema necessariamente volta ao julgador para a decisão. Do contrário, a parte recusante terá negado o seu acesso à justiça. A APIB, e não outra entidade indígena, convém lembrar, é uma das autoras da ADI 7.582. E a segunda é a própria centralidade que os povos indígenas têm nas questões que lhes concernem diretamente, nos termos da Convenção 169 da OIT. É inconcebível que se discutam seus direitos territoriais sem a presença de povos indígenas.
- As entidades signatárias reafirmam a sua confiança no Supremo Tribunal Federal, que soube bem compreender o sentido do artigo 231 da Constituição Federal por ocasião do julgamento do RE 1.017.365.
Brasília, 28 de agosto de 2024.
Associação Juízes para a Democracia – AJD
Associação Brasileira de Antropologia – ABA
Alternativa Terrazul
Comissão Guarani Yvyrupa – CGY
Centro de Trabalho Indigenista – CTI
Conselho Indigenista Missionário – Cimi
Conectas Direitos Humanos
Comissão Arns
Instituto Alana
Instituto Socioambiental – ISA
Povo Xokleng da Terra Indígena Ibirama La-Klãnõ
WWF-Brasil
Fonte: https://cimi.org.br/2024/08/nota-organizacoes-amigas-corte/
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