Na terça-feira (14), o indígena Aldevan Baniwa, 46, escreveu para uma amiga, preocupado com as condições de trabalho na Fundação de Medicina Tropical de Manaus (AM). “No hospital ganhamos uma máscara por dia para usar, o ideal é uma a cada duas horas”, alertou Baniwa, que era agente de endemias da Fundação de Vigilância em Saúde, órgão do governo do Amazonas.

Dias antes, no sábado, ele tinha começado a ter febre, uma leve irritação na garganta e muito cansaço. Com um pedido de exame para o novo coronavírus, Aldevan fez um périplo por diversos órgãos de saúde. “O teste está em falta, fui no Lacen [Laboratório Central de Saúde Pública], nas UBS [unidades básicas de saúde], no PS [pronto socorro] 28 de Agosto. Um fica jogando para o outro. E olha que eu sou funcionário da saúde. Tá um caos fazer exame para Covid-19”, escreveu na mesma tarde.

No dia seguinte, quarta-feira (15), Aldevan relatou à amiga que saiu em busca de atendimento. “A UBS Sávio Belota é próxima aqui de casa. Mediram minha temperatura, mandaram eu tomar dipirona pra controlar febre e voltar lá caso piorasse”.

Na sexta-feira (17), foi internado pela família no mesmo local em que trabalhava, a Fundação de Medicina Tropical. Em 24 horas, morreu.

Nascido em São Gabriel da Cachoeira (AM), Aldevan Baniwa falava, segundo amigos, inglês, português e nheengatu, uma língua indígena.

Aprendeu inglês porque morou quatro anos nos Estados Unidos com sua então mulher, a antropóloga Ana Carla Bruno. O casal teve duas filhas, que estudam design e educação física.

Morador de Manaus há anos, Aldevan também frequentava um sítio da família na zona rural. Foi lá que ele apresentou, anos atrás, fungos bioluminescentes a dois biólogos de Manaus e do Japão, o que deu origem a um livro infantil chamado “Brilhos na Floresta” (editoras Valer e INPA).

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Ilustração de Hadna Abreu mostra Aldevan Baniwa, 46, que trabalhava como agente de endemias, em livro infantil que escreveu com biólogos do Brasil e do Japão – Ilustração Hadna Abreu

Aldevan aparece como um dos autores do livro. “O fungo coloniza a folha e ela brilha à noite. O Aldevan nos levou para ver isso. Essa é a história do livro. O cientista sempre quer iluminar, mas o Aldevan nos ensinou que tem que apagar a lanterna e ficar no escuro para ver o que a gente precisava ver. O livro também conta a história dos parentes do Aldevan que ficaram perdidos na mata porque escureceu, mas que conseguiram voltar para a aldeia porque viram o brilho dos fungos indicando o caminho”, conta Noemia Kazue Ishikawa, pesquisadora do INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia).

 

 

 

Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/04/agente-de-endemias-morreu-sem-conseguir-fazer-teste-do-coronavirus-em-manaus.shtml

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