2021 foi um ano difícil para os povos originários brasileiros. A pleno vapor e fortalecida pela agenda anti-indígena do governo Bolsonaro, a ofensiva ruralista contra os direitos indígenas segue contando com a anuência e ou omissão dos demais poderes da República e de uma ampla parte do empresariado brasileiro.

Como fazem há mais de 500 anos, em 2021 os povos indígenas mais uma vez tiveram que resistir, ecoando um chamado em defesa da vida. Seja em seus territórios, em Brasília ou mesmo no Reino Unido, durante a COP 26, as lideranças indígenas ocuparam mentes e telas por seu direito de ser e de existir conforme seus costumes e tradições.

Algumas das maiores demonstrações dessa força ocorreram ao longo do ano na capital federal. Na luta contra o Marco Temporal, os indígenas foram a Brasília diversas vezes, montando acampamentos, realizando marchas, protestos e ações que denunciaram a violência e o perigo dessa proposta. 

Em junho, o ímpeto da luta foi maior que o medo da COVID-19 e deu origem ao acampamento Levante pela Terra, que durou quase o mês inteiro e levou mais de mil indígenas de 43 povos a Brasília. Em agosto, o acampamento Luta pela Vida tornou-se a maior mobilização indígena da história, com mais de 6 mil participantes de 173 povos de todo o País. Em setembro, a segunda edição da Marcha Nacional das Mulheres Indígenas levou as guerreiras da ancestralidade para agitar seus maracás nas ruas da capital federal. Durante a marcha, o relator do Recurso Extraordinário 1.017.365/SC, o ministro Edson Fachin, leu seu voto contrário à tese do Marco Temporal, restabelecendo a verdade: essa tese é inconstitucional e não encontra o menor acolhimento em nosso ordenamento jurídico. 

Outras ações importantíssimas promovidas ao longo de 2021 incluem o Acampamento Terra Livre, que deu início em abril, de maneira virtual, às mobilizações do movimento indígena; e o primeiro Fórum de Educação Superior Indígena e Quilombola, que aconteceu em outubro também em Brasília.

A luta não acabou

Esse conjunto de movimentos e articulações é a maior mobilização do movimento indígena no período pós-constituinte. Essa luta, entretanto, não acabou: o julgamento do Recurso Extraordinário ainda está parado no Supremo Tribunal Federal (STF). Até agora, o placar segue 1×1 – Fachin votou contra a tese, mas o ministro Kássio Nunes Marques leu um muito criticado voto a favor. É preciso que o presidente da Corte, ministro Luiz Fux, ponha novamente esse assunto na pauta para que ele volte a ser apreciado. Quem “está na vez” para proferir seu voto é Alexandre de Moraes. 2022, portanto, promete ainda muita luta e mobilização para o movimento indígena. 

tese do Marco Temporal  defende de maneira equivocada que os direitos indígenas começaram com a promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988 – e que, portanto, as demarcações de territórios só valeriam para as terras que estivessem sob posse e ocupação dos povos indígenas nesta data. Diversos especialistas afirmam que essa tese é inconstitucional, por ir contra o artigo 231 da própria Constituição Federal, que estabelece de maneira muito clara os “direitos originários” dos povos indígenas – ou seja, seus direitos são anteriores à própria criação do Brasil ou do Estado Brasileiro.

Além disso, ela desconsidera as violências às quais os povos indígenas brasileiros têm sido submetidos ao longo do tempo: assassinatos, chacinas, genocídios, remoções forçadas e surtos de doenças. Não à toa, a tese do Marco Temporal é apoiada apenas por ruralistas e interessados na exploração predatória de territórios indígenas.
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Voz indígena na COP

Outro palco importantíssimo ocupado pelas lideranças foi a Conferência do Clima, a COP 26, que aconteceu em novembro na cidade de Glasgow, no Reino Unido. O Brasil teve a maior delegação indígena da sua história – cerca de 40 representantes, que estiveram lá sem nenhum apoio do governo federal – e deixou um recado muito claro: sem a participação dos povos originários, nenhuma medida de combate à crise climática será duradoura e eficaz.   

A COP 26 também teve falas de comunidades tradicionais, juventudes e movimentos sociais, como o negro e feminista. A jovem rondoniense Txai Suruí, representante do povo Paiter Suruí, foi a única brasileira a discursar na abertura do evento – com uma fala que chamou a atenção e emocionou todo o mundo: “Enquanto vocês estão fechando os olhos para a realidade, o guardião da floresta Ari Uru-Eu-Wau-Wau, meu amigo de infância, foi assassinado por proteger a natureza. Os povos indígenas estão na linha de frente da emergência climática, por isso devemos estar no centro das decisões que acontecem aqui. Nós temos ideias para adiar o fim do mundo. Vamos frear as emissões de promessas mentirosas e irresponsáveis; vamos acabar com a poluição das palavras vazias, e vamos lutar por um futuro e um presente habitáveis”.

Para o porta-voz da Campanha Amazônia do Greenpeace Brasil, Danicley Aguiar, 2021 mostrou como as lideranças indígenas se mantêm firmes na luta pelo reconhecimento e contra a violação de seus territórios ancestrais: “Num contexto de enfrentamento à crise climática, o recado das lideranças indígenas foi dado: eles são parte da solução e não do problema. Ao violar direitos e territórios, o agronegócio se coloca como parte do problema e deve ser instado a rever tal postura, sob pena de assistirmos a um aprofundamento da crise climática global”.

Conservação das florestas

Desde 2018 o Greenpeace trabalha, junto a um grupo de parceiros, com um projeto focado na proteção territorial de áreas específicas no Norte do Brasil. O projeto “Todos os Olhos na Amazônia” tem como objetivo estimular a ação em rede e a luta de povos indígenas e comunidades pela conservação das florestas e de seus territórios tradicionais. 

Esta iniciativa advoga pela proteção da vida dos povos indígenas e pela retirada do pacote de destruição ambiental em pauta no Congresso Nacional – como o Projeto de Lei 191/2020, que prevê a liberação de atividades como mineração, garimpo, extração de petróleo e gás dentro de Terras Indígenas; os Projetos de Lei PL 2.633/20 e o PL 510/21, os “PLs da Grilagem”, que vão anistiar e facilitar a vida de ladrões de terras públicas; e o Projeto de Lei que acaba com o licenciamento ambiental, o PL 2.159/21.

No Brasil existem atualmente 305 povos indígenas, falando mais de 274 línguas. Temos 114 povos indígenas isolados e de recente contato, que habitam 1.298 terras indígenas – sendo 408 homologadas e 829 em processo de regularização ou reivindicadas.

Fonte: https://www.greenpeace.org/brasil/blog/2021-o-ano-do-grito-e-da-resistencia-indigena/

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