Indígenas Hexkaryana venderam pela primeira vez 14 toneladas de castanhas-do-brasil para a Wickbold. Foram beneficiadas 110 famílias da região na divisa entre Amazonas e Pará

Texto: Thaís Herrero | 05 de julho de 2021

Quem compra pães integrais no supermercado, desses fabricados por grandes marcas, nem sempre sabe, mas os ingredientes podem ter vindo de povos indígenas da Amazônia. Esse é o caso da castanha-do-brasil que compõe os pães da marca Wickbold e que, em parte, vêm de produtores da região de Nhamundá, na divisa entre norte do Pará e Amazonas.

Este ano, pela primeira vez, 110 famílias de 13 aldeias da região venderam parte da safra de castanha-do-brasil para a Wickbold por intermédio do Origens Brasil, uma iniciativa do Imaflora que conecta produtores com empresas para fortalecer cadeias produtivas sustentáveis. Nessa primeira etapa, 14 toneladas de castanha com casca foram comercializadas para a fabricante de pães.  

O Iepé intermediou as conversas e negociações entre o Imaflora e os produtores e, depois, apoiou com a compra de materiais e insumos para a coleta e com o planejamento logístico da entrega. Uma vez que as castanhas chegaram em Óbidos (PA), elas foram enviadas às fábricas da empresa.

Uma das vantagens da iniciativa Origens Brasil é oferecer um preço fixo aos produtores, já que em geral, os preços do quilo da castanha variam de ano para ano, a depender do volume da safra.

Galpão de armazenagem de castanha-do-brasil na aldeia Porteira (Foto: Elaine Txakw)

Segundo Jeremias Amotxo, a produção da castanha é muito importante para seu povo, pois garante o sustento das famílias. Ele é presidente do Conselho Geral do Povo Hexkaryana (CGPH) e membro da diretoria da Coopaflora. “A castanha-do-brasil é uma potência em nossa região. Todo ano a gente trabalha com a castanha para sustentar as nossas famílias, ela traz os recursos e garante nossa sobrevivência”, diz.

Além dos Hexkaryana, povo de Jeremias, são também parte da Coopaflora indígenas do povo Waiwai, quilombolas e assentados da região. Todos são representados na diretoria da cooperativa, criada para organizar e apoiá-los nas vendas.

Depois de colhida, as sacas com as castanhas-do-brasil são carregadas para o barco (Foto: Elaine Txakw)

Produção prejudicada pela pandemia

Apesar da importância e fartas safras da castanha-do-Brasil na região de Nhamundá, neste ano de 2021, a produção foi impactada pela pandemia. “No ano passado a colheita foi boa, deu muito fruto. Neste ano quebrou um pouco. Por causa da pandemia não fomos pra cidade comprar os materiais para a colheita, os nossos instrumentos, sacas. Então não conseguimos colher muito. Acho que ano que vem vai ter mais de novo”, diz Jeremias.

Jeremias Amotxo atravessando a Cachoeira da Fumaça com a saca de castanha-do-brasil. (Foto: Elaine Txakw)

O ciclo anual da produção da castanha tem história

A produção da castanha-do-brasil segue um ritmo anual que exige preparo meses antes. Jeremias conta que eles começam em fevereiro, quando colhem os frutos nos castanhais próximos às aldeias. O dinheiro que ganham é usado para comprar os materiais para as próximas etapas. É então que, logo depois das festividades de Páscoa, os homens das aldeias se reúnem com o cacique e se organizam para limpar os igarapés, caminhos para os castanhais.

A cerca de 20 quilômetros da aldeia mais próxima, ou 3 horas de canoa, eles montam um grande acampamento com casas de palha de ubim e, dias depois, quando tudo está pronto, voltam para buscar suas mulheres e filhos, afinal, todos vão ajudar no trabalho. “Mas tem o calendário escolar e a gente respeita. As crianças só vão quando estão de férias”, ressalta Jeremias.

As famílias ficam nos acampamentos de abril até junho, quando a safra da castanha acaba e já colheram tudo o que podiam. As castanhas são levadas aos poucos em canoas e barcos, e negociadas a preços que variam a depender da quantidade do que conseguirem.

A importância da produção da castanha vem desde os tempos dos avós de Jeremias, no início dos anos de 1980. Ele conta que o cenário melhorou muito depois que a Terra Indígena Nhamundá-Mapuera foi demarcada e homologada em 1989. Antes disso, muitos não indígenas entravam no território para coletar castanhas, excluindo alguns indígenas da cadeia produtiva ou pagando preços injustos.

Depois da primeira venda de castanhas-do-brasil para a Wickbold, os próximos passos da rede Origens Brasil são continuar o apoio às negociações entre as comunidades indígenas, quilombolas e assentadas e as empresas compradoras. E continuar o apoio com logística e insumos para cada etapa do manejo de castanha-do-brasil realizado pelos Hexkaryana e por outros povos indígenas e comunidades tradicionais.

Acampamento de manejo da Cachoeirinha, igarapé Nivota (Foto: Elaine Txakw)

Uma das metas dos Hexkaryana para o ano que vem é conseguir dinheiro suficiente para trocar o barco que eles têm para fazer os carregamentos. “O atual já tem 20 anos de uso e está ficando inseguro. Queremos um novo para continuar vendendo nossas castanhas”, diz Jeremias.

Confira no mapa as áreas de castanhais e as aldeias da região

 

 

Fonte: https://institutoiepe.org.br/2021/07/indigenas-do-rio-nhamunda-vendem-castanhas-do-brasil-para-wickbold/

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