Políticas públicas, cumprimento da lei e acordos de mercado podem estancar a derrubada e impedir que a floresta alcance um ponto de não retorno; confira

Em 2019, assistimos a uma explosão do desmatamento na Amazônia. O desmonte de políticas públicas e o incentivo ao desmatamento por meio de declarações gerou o “efeito Bolsonaro”, estimulando ações ilegais de derrubada da floresta. Mas, nem tudo está perdido: na década passada, entre 2003 e 2012, o Brasil conseguiu reduzir o desmatamento e assim aproximar-se do cumprimento de tratados internacionais de redução de emissões de carbono. Elencamos algumas ações que podem ser feitas para manter a floresta em pé:


Vista aérea da floresta amazônica no alto rio Catrimani


Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau (RO). A terra sofre com crescente desmatamento no território.

Moratória da soja e do boi

A moratória da soja é um compromisso firmado pelas empresas do setor para não comprar o grão de áreas desmatadas da Amazônia. O acordo ajudou a reduzir o desmatamento relacionado à soja. Porém, está sob risco. Apoiada pelo governo de Jair Bolsonaro, a Associação Brasileira de Produtores de Soja (Aprosoja) quer fazer uma reclamação junto ao Cade (Conselho de Defesa da Atividade Econômica) contra o acordo. Além disso, falta um acordo similar para a indústria da carne, condicionando a compra do boi apenas de áreas não desmatadas. Hoje, a pecuária é uma das principais causas do desmatamento na Amazônia.


Tronco derrubado por desmatadores na Floresta Nacional do Jamanxim flagrado durante Operação Onda Verde

Estabilidade legal das áreas protegidas

Outro ponto que estimula a grilagem e, portanto, o desmatamento, é a instabilidade jurídica em relação aos territórios. Cerca de 15 Unidades de Conservação que mais contribuem para o desmatamento já sofreram (ou sofrem) tentativas de redução, recategorização ou extinção. Uma proposta de lei que vise alterar o status de um território pode gerar uma corrida por terras na região: os grileiros ocupam e desmatam a floresta com a perspectiva de ganhar essa terra no futuro. É um negócio lucrativo, que vive das incertezas legais. Atualmente, tramita no Congresso uma PL com a intenção de desproteger uma parte da Unidade de Conservação.


Deputados comemoram mudança no Código Florestal, em abril de 2012. Grande vitória ruralista

Código Florestal

A última versão do Código Florestal (Lei de Proteção da Vegetação Nativa Brasileira) aprovada em 2012, não foi benéfica para a floresta. Entre outros motivos, porque reduziu a dimensão das áreas de APPs (Áreas de Preservação Permanente), permitiu projetos habitacionais em mangues e restingas, anistiou quem desmatou ilegalmente antes de 22 de julho de 2008, permitiu atividades econômicas em áreas íngremes e permitiu a redução da Reserva Legal em algumas condições ou dispensa de sua recuperação. O lobby do agronegócio deveria ver isso como uma grande vitória, mas eles continuam a boicotar e sabotar o Código Florestal. Mesmo assim, é importante que, ao menos o que está previsto na lei, seja implementado. Entre elas, a validação do sistema de cadastro online (Sicar), que agiliza o processo para os proprietários de terras registrarem os limites de suas propriedades e as informações ambientais correspondentes. O sistema melhora o monitoramento e a documentação de mais de 5 milhões de propriedades rurais, o que pode impulsionar drasticamente os esforços para preservação do meio ambiente. Finalmente, para ser eficaz, o Sicar deve ser vinculado a incentivos econômicos para os proprietários que conservam a vegetação nativa.


Ibama, Exército e Polícia Militar de Rondônia fiscalizam cadeia de custódia da madeira e desmatamento ilegal em Espigão do Oeste (RO)

Reforço na fiscalização e fortalecimento dos órgãos responsáveis por ela

Infelizmente, na gestão de Bolsonaro, o Brasil pegou o rumo contrário.
O Ibama, apesar de ser um dos principais órgãos de proteção ambiental, teve 21 dos seus 27 superintendentes regionais exonerados pelo Ministro do Meio Ambiente. É urgente a restauração dos escritórios regionais na Amazônia legal. Outra medida é a restauração das operações de campo, que sofreram uma redução nos orçamentos para a proteção e fiscalização ambiental, assistência rural e aos povos indígenas, estrangulando as condições operativas do órgão. Em 2019, o MMA anunciou cortes de 24% do orçamento do Ibama, sendo 15% de cortes no setor de inspeções e 29% no de combate aos incêndios. Isso resultou na redução em 22% das operações de fiscalização previstas para 2019. Além disso, o Grupo Especializado de Fiscalização (GEF), considerado a tropa de elite do Ibama, encontra-se praticamente inoperante, apesar de continuar existindo formalmente na composição do MMA.


Dona Nazária Mandú Lopes carrega pimentas frescas no caminho de volta de sua roça de pimenta, próxima à comunidade Canadá, no rio Ayari, Terra Indígena Alto Rio Negro (AM)

Alternativas de produção sustentáveis

A floresta em pé também gera renda. E gera renda sustentável. Diversos estudos mostram que as cadeias produtivas florestais geram mais benefícios do que as cadeias da soja ou carne na Amazônia. Com planos de manejo adequados e organização dos produtores locais, os recursos florestais, incluindo a madeira, podem garantir o sustento dos moradores. É preciso fomentar cadeias de produtos da floresta. É o caso do cogumelo Yanomami, do óleo de pequi do Xingu, da pimenta Baniwa, entre muitos outros produtos.


Brigadas indígenas do Prevfogo/Ibama combatem incêndio florestal na Terra Indígena Porquinhos, no Maranhão

Financiamento para a conservação

No primeiro semestre de 2019 houve a paralisação do Fundo Amazônia, de ao menos R$ 2,2 bilhões. Com isso, inúmeras associações indígenas e de produtores rurais e projetos com foco em atividades econômicas tradicionais ficaram travados. As propostas do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, para o combate ao desmatamento são exatamente as medidas que estavam sendo financiadas pelo Fundo Amazônia (ações do PrevFogo, operações de fiscalização como a Operação Awá no Maranhão, e a implementação de ações do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal etc). É urgente que o governo estabeleça uma relação de confiança com os doadores do Fundo para que os recursos possam ser disponibilizados novamente.


Dispersão de sementes aladas em semeadura direta

Restaurar e reflorestar florestas degradadas

Conter o desmatamento é mais efetivo do que plantar novas áreas. Mesmo assim, iniciativas de restauração florestal são muito importantes. O Brasil possui uma área equivalente ao estado de Minas Gerais em pastagens degradadas, o que mostra que o país não precisa desmatar novas áreas. Muitos produtores rurais precisam recompor áreas desmatadas ou degradadas para cumprir com a legislação prevista no Código Florestal, por exemplo. Quanto custa ao governo manter a floresta em pé? É preciso avançar nessa quantificação para que o governo possa pensar um modelo mais sustentável para a Amazônia.

O que você pode fazer?

1. Consumo consciente: se informe antes de comprar móveis e joias e certifique-se que eles não vêm de nenhuma cadeia ilegal. Por outro lado, busque produtos que fortaleçam cadeias sustentáveis, como os produtos da floresta. A maior parte do ouro e madeira retirados da Amazônia é ilegal.

2. Apoie a luta dos povos da floresta. Povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais são os principais guardiões da floresta.

3. Coma menos carne.
Muitas áreas desmatadas da Amazônia acabam virando pasto para a produção agropecuária.

4. Não compartilhe fake news.
Ajude a combater a desinformação. Cheque antes de compartilhar qualquer notícia.

5. Vote com consciência!
Se informe sobre as posturas e votos do seu candidato.

6. Junte-se às organizações que fazem a diferença.
Conheça e apoie organizações que buscam combater as mudanças climáticas e proteger as floresta.

 

Clara Roman e Antonio Oviedo
ISA

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