Joelmir Silva e Kamatxi Ikpeng entrevistam Francisco de Assis, conselheiro da Rede Xingu+ e  presidente da AMORERI 📷 Silia Moan/ISA

Em Brasília, os 26 integrantes do coletivo criaram regimento próprio e desenvolveram novas habilidades em oficinas e encontros

Silia Moan – Jornalista do ISA

Vindos de diferentes regiões na Bacia do Xingu, os 26 comunicadores da Rede Xingu+ se encontraram em Brasília para duas tarefas principais: organizar o regimento interno do coletivo – com a construção de acordos mútuos entre indígenas e beiradeiros para orientar as atividades e governança –  e participar de oficinas e encontros para expandir o potencial de comunicação do grupo.

O regimento interno foi elaborado coletivamente, com base na valorização do pensamento diverso dos comunicadores da Bacia do Xingu.

Ao longo da produção do documento, eles puderam refletir sobre o lugar que ocupam em suas sociedades, escrevendo, gravando e editando para noticiar temas que eles entendem com suas comunidades que são relevantes.

“O principal objetivo da construção desses acordos é compreender como as relações entre comunicadores, conselheiros da Rede Xingu+ e comunidades xinguanas podem ser fortalecidas” afirmou o comunicador Arewana Juruna durante o encontro.

Para a comunicadora Kujaesãge Kaibi, criar o regimento dos comunicadores do Xingu+ possibilita que os 26 elos da comunicação no Xingu possam se organizar e entender como funciona sua atuação comunitária e em rede.

“Qual é o nosso papel dentro das nossas associações enquanto comunicadores?”, ela pergunta, para responder em seguida: “a solução está dentro do regimento que nós mesmos elaboramos! Esse é o nosso guia escrito e aprovado pelos conselheiros da Rede Xingu+, que acompanham o nosso trabalho”.

No encontro dos comunicadores do Xingu, os 12 conselheiros do Xingu+ fizeram reflexões com os comunicadores sobre os seus papéis junto às associações indígenas e beiradeiras.

“São vocês os olhos que fazem a divulgação do que acontece no nosso território. Vocês são um elo entre as associações e as comunidades. Dentro da [Associação Terra Indígena Xingu] ATIX, a comunicação é muito importante. Criamos um departamento para mostrar o que fazemos no Território Indígena do Xingu”, afirmou Iré Kaibi, ex-diretora executiva da Associação Indígena do Xingu e atualmente Coordenadora Regional da Funai CR Xingu.

O regimento dos comunicadores do Xingu+ prevê encontros mensais entre os comunicadores, associações xinguanas, conselheiros do Xingu+, e assessoria técnica da Rede Xingu+ para o alinhamento das coberturas de assembleias e reuniões nas aldeias e localidades do Xingu.

Kujaesãge Kaibi a frente do registro audiovisual do encontro de mulheres indígenas realizado em Rio Brance, Acre
Kujaesãge Kaibi à frente do registro audiovisual do encontro de mulheres indígenas realizado em Rio Branco (AC) em 2017 📷 Marilia Garcia/ISA

Mydjere Kayapó, conselheiro representante do Instituto Kabu na Rede Xingu+, finalizou afirmando que o papel dos comunicadores é muito importante para registrar as histórias dos mebêngôkre para as próximas gerações: “os comunicadores são circuladores de conhecimento entre o passado, presente e futuro”, refletiu a liderança Kayapó.

Para além do olhar sobre o cotidiano das vidas dos seus coletivos, quando estão em seus territórios, os comunicadores têm uma atenção especial para os impactos da invasão de garimpeiros, grileiros e ladrões de madeira. 

Quando tramita algum retrocesso, no âmbito dos direitos indígenas e beiradeiros na esfera governamental, os comunicadores ficam atentos para produzir e divulgar áudios e imagens com manifestações que suas comunidades compartilham com o mundo. 

Além disso, ao longo dos últimos anos os comunicadores do Xingu+ têm participado da cobertura colaborativa do Acampamento Terra Livre (ATL) – mobilização nacional indígena realizada anualmente para combater os projetos que ameaçam a vida dos povos indígenas – junto com outros importantes veículos de comunicação e coletivos, como a Mídia Indígena, a Midia Guarani Mbya e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

Comunicação contra as ameaças ao Xingu
Comunicadores indígenas do TIX e beiradeiros da Terra do Meio fortalecendo a cobertura colaborativa do Acampamento Terra Livre
Comunicadores indígenas do TIX e beiradeiros da Terra do Meio fortalecem a cobertura colaborativa do Acampamento Terra Livre 📷 Sília Moan/ISA

“Ao manipular câmeras, programas e aplicativos de filmagem e edição, podemos contar como estamos sendo pressionados pelo avanço do desmatamento a partir das nossas lentes e enquadramento”, reflete o comunicador Xokarowara Parakanã, que vive na Terra Indígena Apyterewa, com 774 mil hectares, um dos territórios mais ameaçados do Xingu. 

Desmatamento na Terra Indígena Apyterewa

Segundo dados do PRODES, em 2019 a Apyterewa alcançou o 2º lugar entre as TIs mais desmatadas na Amazônia (com 8.527 ha). Em 2021, a TI passou para o primeiro lugar do ranking de desmatamento e registrou, segundo o Sirad-X, sistema de monitoramento da Rede Xingu +, mais de 8,1 mil hectares de desmatamento.

Motivados pelo desejo de enfrentar as pressões e ameaças que sofrem em seus territórios, os comunicadores apresentaram dúvidas sobre como utilizar a comunicação para qualificar as denúncias sobre destruição e desmatamento em seus territórios.

mapa rede xingu
Rio Xingu conecta os 26 comunicadores do Xingu+ que identificaram as confluências territoriais entre o coletivo de comunicação xinguano durante o encontro em Brasília 📷 Rede Xingu+

Quem respondeu foi a dupla Tukumã Pataxó e Kefas Pataxó, ambos nascidos na aldeia de Coroa Vermelha, extremo sul da Bahia. Os produtores Pataxó ampliaram para todos os participantes do encontro as noções de uso das redes sociais para o combate ao preconceito, comunicações seguras para denúncias de invasão territorial e estratégias de disseminação rápida e qualificada de informações relacionadas às manifestações nos territórios xinguanos. 

“Os comunicadores podem ocupar os espaços e levar suas ideias para as pessoas que precisam ouvi-las”, afirmou Tukumã Pataxó sobre a importância do uso da comunicação para denunciar as ameaças ao Xingu.

Com a orientação de Tukumã e Kefas, os comunicadores produziram vídeos apresentando a importância do Xingu para o planeta, com o objetivo de aprofundar o ciclo de produção de conteúdo para que os comunicadores voltassem com mais aprendizados para os seus territórios. 

Foram abordados conceitos de roteirização, filmagem, edição e distribuição pela rede social dos comunicadores do Xingu+, que foi criada durante o encontro a partir do anseio dos comunicadores e suas lideranças para um compartilhamento de suas visões e formas de produzir conhecimento com diferentes sociedades.

O editor de redes sociais do Instituto Socioambiental (ISA), Ariel Gajardo e a estagiária Wuara Antezana apoiaram os comunicadores do Xingu+ na idealização das primeiras postagens da rede social do coletivo de mídia, sendo uma delas sobre a Bacia do Xingu.

Para compartilhar com a sociedade envolvente qual é importância do Xingu para o mundo, os comunicadores do Xingu+ escolheram uma frase que o presidente da ATIX Ianukula Suyá Kaibi falou durante a 8ª reunião de Governança Geral do Território Indígena do Xingu: “o rio que passa pela sua casa também passa pela minha”.

8ª reunião de Governança Geral do Território Indígena do Xingu

O GGTIX aconteceu no polo Diauarum, região do baixo Xingu, no estado do Mato Grosso. O encontro, que é realizado anualmente, reuniu lideranças indígenas do Xingu para debater questões urgentes sobre atendimento à saúde e direitos territoriais. A ministra dos povos indígenas, Sônia Guajajara esteve presente no encontro, que contou com a cobertura dos comunicadores do Xingu+.

Para o comunicador Renan Kisedje, a frase simboliza que o rio une todos e o que acontece nos territórios do Xingu também geram impactos para o restante do planeta.

Da floresta para o planalto central

Se por um lado os comunicadores do Xingu produzem informação a partir do pensamento de suas aldeias e comunidades, por outro, fortalecem suas relações trocando conhecimento também entre si em diferentes espaços. 

É levantando a Constituição de 1988 em frente ao Congresso Nacional, que o comunicador Kunity Panará celebra os direitos dos povos originários
É levantando a Constituição de 1988 em frente ao Congresso Nacional, que o comunicador Kunity Panará celebra os direitos dos povos originários 📷 Rede Xingu+

No ATL deste ano não foi diferente. Os comunicadores se mobilizaram para produzir coletivamente fotos, vídeos e boletins de áudio informativos com informações sobre as pautas da mobilização nacional indígena. 

Eles trouxeram detalhes das marchas e depoimentos de lideranças de outras regiões, apresentando para os xinguanos que estão na aldeia um olhar intercultural dos comunicadores sobre as reflexões trazidas pelos indígenas que estão conectados às pautas em Brasília. 

Com o olhar dentro da mobilização, os comunicadores pensaram em uma grade de divulgação de conteúdo a partir da programação do ATL 2023, priorizando fatos importantes para as suas comunidades. 

Fora da mobilização nacional indígena, os comunicadores do Xingu+ fotografaram e filmaram as lideranças e representantes da Rede Xingu+ durante  a apresentação do documento Xingu sob Pressão aos principais órgãos federais.

O documento denuncia o aumento dos desmatamentos na Bacia do Xingu, revelando que mais de 730 mil hectares foram desmatados na região nos últimos quatro anos, segundo o sistema de Indicação por Radar de Desmatamento Sirad-X.

O Xingu é um só!

A novidade deste ano foi a participação dos comunicadores e lideranças beiradeiras da Terra do Meio, como Francisco de Assis, presidente da Associação de Moradores do Rio Iriri, e Joelmir Silva, comunicador beiradeiro da Comunidade Maribel, localizada na Terra Indígena Cachoeira Seca.

“A relação dos povos indígenas e beiradeiros da Terra do Meio é muito importante, pois ao desmatar territórios indígenas são também desmatados os territórios beiradeiros. É importante a gente, enquanto beiradeiro, estar nessa luta pela demarcação das Terras Indígenas, pois é demarcando as TIs que se garante a nossa existência enquanto população tradicional”, contou Joelmir Silva em entrevista realizada por Naia Waurá para a produção do vídeo O futuro indígena é hoje, dos comunicadores do Xingu+ sobre o ATL 2023, que contou com a edição de Arewana Juruna, da aldeia Tuba-tuba, no TIX.

Durante a mobilização, comunicadores indígenas e beiradeiros elaboraram o roteiro, entrevistaram e filmaram as lideranças, distribuindo em suas redes a visão de outros povos indígenas que estavam presentes no ATL sobre a mobilização.

As entrevistas aconteceram em duplas, que juntas fizeram filmagens e entrevistas. Isso proporcionou uma interação mais estreita entre os comunicadores, que reforçaram seus laços e trocaram mais sobre suas realidades e saberes audiovisuais. Essa metodologia possibilitou a multiplicação de conhecimentos, fortalecimento de vínculos e alinhamento de estratégias entre os diferentes comunicadores do Xingu.

A Rede de Comunicadores do Xingu+ é formada por um grupo de 26 xinguanos: beiradeiros da Terra do Meio, Xikrin da Terra Indígena Trincheira Bacajá, Arara e Juruna da Volta Grande, Xipaya, Parakanã, Arara das TIs Arara e Cachoeira Seca, Kayapó-Mebêngôkre, Panará, Ikpeng, Kisedje, Waujá, Kalapalo, Kawaiwete, Yudjá.

Juntos desde 2019, os comunicadores têm trocado informações sobre seus modos de vida por meio da produção fotográfica e audiovisual para fortalecer a rede de relações entre os povos que são abraçados pelo Rio Xingu.

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Fonte: https://www.socioambiental.org/noticias-socioambientais/circuladores-de-conhecimentos-comunicadores-do-xingu-ampliam-alcance-de

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