A reforma do antigo Código Florestal, de 1965, completa uma década de anistias a desmatamentos e enfraquecimento da proteção ambiental. Como se não bastasse, a nova lei sofre novas pressões e pode ser ainda mais desfigurada. Confira o Editorial do ISA

Nas últimas duas décadas, o Brasil reduziu de forma persistente o desmatamento na Amazônia, o que resultou na maior diminuição de emissões de gases de efeito estufa já realizada na história recente da humanidade – a maioria das emissões nacionais proveem da destruição das florestas e da agropecuária. Saímos de 27 mil km² desmatados, em 2004, para pouco mais de 4 mil km², em 2012, uma queda de 83%. 

Entre outras medidas, a maior efetividade na aplicação da legislação florestal e o desenvolvimento de políticas públicas, como o plano de combate ao desmatamento na Amazônia (PPCDAm), foram determinantes para esse resultado. 

A reação de parte dos proprietários rurais que cometeram crimes ambientais e da bancada ruralista no Congresso foi forte, levando o governo federal, em 2012, a pactuar uma reforma do antigo Código Florestal, de 1965. A consequência foi uma anistia gigantesca de passivos e punições e o enfraquecimento das exigências de proteção das florestas. Nesta quarta-feira (25), a nova Lei de Proteção da Vegetação Nativa completa dez anos.

A reforma da legislação trouxe, também, algumas novidades interessantes que, porém, não produziram os efeitos anunciados. Os Programas de Regularização Ambiental (PRAs) deveriam ser implementados pelos estados para garantir a aplicação efetiva da lei, mas poucos saíram do papel. Apenas seis estados regulamentaram o instrumento e estão com os sistemas de validação dos registros e adesão ao PRA funcionando. 

A quase totalidade das informações autodeclaradas pelos proprietários rurais no Cadastro Ambiental Rural (CAR), previsto na nova lei, não foi validada pelos órgãos ambientais. Sem essa validação não se pode proceder com a celebração dos PRAs, de modo que segue baixíssima a efetividade da legislação. Mais da metade (52%) dos imóveis rurais cadastrados já solicitou adesão ao PRA, mas apenas 0,017% deles assinou termos de referência para essa adesão. Apenas 0,4% dos 6,5 milhões de cadastros receberam um “diagnóstico final da regularidade ambiental”. As informações foram reunidas pelo Observatório do Clima (OC) a partir do último boletim do Serviço Florestal Brasileiro (SFB).

Fonte: Prodes/Inpe
Fonte: Prodes / Inpe

Das etapas de implementação da nova lei, o país ainda não saiu da primeira fase (inscrição no CAR), atolou na segunda e terceira (análise, validação e emissão dos cadastros) e mal começou a quarta (implementação dos PRAs). 

Há muitos casos de usos indevidos do CAR na grilagem de terras, inclusive em áreas protegidas, principal motor do desmatamento nessas áreas. Até 2021, a maioria das Unidades de Conservação (UCs) de domínio público em todos os biomas tinha sobreposição com cadastros de propriedades e posses privadas. São quase 43 milhões de cadastros sobrepondo-se a 20% da extensão dessas UCs. Para as Terras Indígenas da Amazônia, existiam mais de 3,5 milhões de hectares sobrepostos. 

Para os 435 quilombos registrados no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), existiam 379 áreas com sobreposição com mais de 9 mil registros de imóveis privados, que cobrem 1,57 milhão de hectares ou 60% da área de território declarada dos quilombos.

Enquanto já foram cadastrados mais de 6,5 milhões de propriedades e posses privadas, apenas 3 mil registros foram feitos em benefício das populações indígenas e tradicionais.  

As áreas protegidas possuem regras e instrumentos específicos de uso e ocupação do solo e seus habitantes têm direitos que devem ser considerados nas análises do CAR. As comunidades indígenas e tradicionais sequer têm acesso ao módulo de cadastramento, necessitam solicitar autorização de uso e muitos estados ainda não têm módulo específico para seus territórios. Os registros sobrepostos a eles continuam sendo validados, colocando em risco os direitos territoriais dessas populações. É urgente o cancelamento imediato desses cadastros sobrepostos e o avanço dos registros dessas áreas. 

Nesses dez anos, o Código Florestal foi alterado seis vezes, ora para postergar prazos para a sua implementação, ora para fragilizar ainda mais a proteção ambiental. A última reforma da reforma ocorreu, no final de 2021, para permitir que municípios reduzam ou eliminem as faixas marginais de rios em áreas urbanas, viabilizando o seu desmatamento e novas ocupações. A bancada ruralista pretende aprovar, ainda este ano, mais alterações equivalentes. Mal iniciada sua implementação e a lei vem sendo bombardeada com novos retrocessos, apesar das promessas ruralistas de “pacificação” do campo e do tema. 

Sinalizações de impunidade como essas já produziram e tendem a produzir resultados desastrosos nos índices de desmatamento. As taxas de destruição da floresta voltaram a crescer, justamente a partir de 2012, com uma ou outra oscilação, e vêm dando saltos sem precedentes nos últimos três anos, no governo Bolsonaro. 

A extensão desmatada em 2012, de pouco mais de 4 mil km2, foi estimada em 13 mil km², em 2021, e tende a aumentar ainda mais em 2022. As metas de redução do desmatamento assumidas pelo Brasil nas negociações internacionais sobre mudanças climáticas não são cumpridas, o que reduz o país, que já foi protagonista, à condição de pária mundial.

Para quem se preocupa com a proteção das florestas, o aniversário do “novo” Código Florestal não é motivo de comemoração, mas de frustração, pois elas precisam de mais proteção, e não de menos, para que possamos enfrentar os impactos das mudanças climáticas sobre o país.
 

Fonte: https://www.socioambiental.org/noticias-socioambientais/editorial-do-isa-10-anos-de-retrocessos-no-codigo-florestal

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