O Relator Especial da ONU sobre os direitos dos Povos Indígenas, José Francisco Calí Tzay, expressou nesta terça-feira (13/06) grande preocupação com o provável impacto negativo da doutrina do “Marco Temporal” que pode ser aplicada pelo Supremo Tribunal Federal em sua decisão no caso dos Povos Indígenas Xokleng e do Estado de Santa Catarina.

Vista externa do Palácio Wilson em Genebra, Suíça, sede do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH).
Legenda: Vista externa do Palácio Wilson em Genebra, Suíça, sede do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH).Foto: © Jean Marc Ferré/Foto da ONU.

GENEBRA (13 de junho de 2023) – Um especialista da ONU expressou hoje grande preocupação com o provável impacto negativo da doutrina do “Marco Temporal” que pode ser aplicada pelo Supremo Tribunal Federal em sua decisão no caso dos Povos Indígenas Xokleng e do Estado de Santa Catarina. O caso está na Corte desde 2021, após um recurso da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI). O Relator Especial da ONU sobre os direitos dos Povos Indígenas, José Francisco Calí Tzay, emitiu a seguinte declaração:

“O Marco Temporal limita o reconhecimento das terras ancestrais dos povos indígenas apenas às terras que ocupavam no dia da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988. A doutrina do Marco Temporal tem sido usada para anular processos administrativos de demarcação de terras indígenas, como no caso da Comunidade Guayaroka dos Povos Indígenas Guarani Kaiowa. Em diversas ocasiões, foi contestada por órgãos internacionais, Povos Indígenas e pessoas defensoras dos direitos humanos por desconsiderar o direito dos Povos Indígenas às terras das quais foram violentamente expulsos, especialmente entre 1945 e 1988 – um período de grande turbulência política e violações generalizadas de direitos humanos no Brasil, incluindo a ditadura.

O julgamento poderá determinar o curso de mais de 300 casos pendentes de demarcação de terras indígenas no país. Peço ao Supremo Tribunal Federal que não aplique a doutrina mencionada no caso e decida de acordo com as normas internacionais existentes sobre os Direitos dos Povos Indígenas.

Estou muito preocupado com a adoção, em 30 de maio, pela Câmara dos Deputados do Brasil, do Projeto de Lei 490/07 que, se aprovado pelo Senado, aplicaria legalmente a doutrina do Marco Temporal.

Se a tese do Marco Temporal for aprovada, todas as terras indígenas, independentemente de seu status e região, serão avaliadas de acordo com a tese, colocando todas as 1393 Terras Indígenas sob ameaça direta. É particularmente preocupante que o Projeto de Lei 490/07 indique explicitamente que sua regulamentação seria aplicável a todos esses casos pendentes, exacerbando a situação ao prolongar ainda mais ou potencialmente obstruir o processo de demarcação e expor os Povos Indígenas a conflitos, contaminação relacionada à mineração, escalada de violência e ameaças a seus direitos sociais e culturais.

A adoção do Marco Temporal é contrária aos padrões internacionais. Espero que a decisão do Supremo Tribunal Federal esteja de acordo com os padrões internacionais de direitos humanos aplicáveis e que proporcione a maior proteção possível aos Povos Indígenas do Brasil.

A decisão precisa garantir reparações históricas para os Povos Indígenas e evitar a perpetuação de mais injustiças. Peço ao Senado brasileiro que rejeite o projeto de lei pendente.

Exorto o Governo do Brasil a tomar todas as medidas para proteger os Povos Indígenas, suas culturas e tradições, de acordo com a Constituição Federal brasileira e as obrigações internacionais de direitos humanos.”

FIM

O Sr. José Francisco Calí Tzay é o Relator Especial sobre os direitos dos Povos Indígenas

Os Relatores Especiais, Especialistas Independentes e Grupos de Trabalho fazem parte do que é conhecido como Procedimentos Especiais do Conselho de Direitos Humanos.

Procedimentos Especiais, o maior corpo de especialistas independentes do sistema de Direitos Humanos da ONU, é o nome geral dos mecanismos independentes de apuração de fatos e monitoramento do Conselho que abordam situações específicas de países ou questões temáticas em todas as partes do mundo.

Os especialistas dos Procedimentos Especiais trabalham de forma voluntária; não são funcionários da ONU e não recebem salário por seu trabalho. Eles são independentes de qualquer governo ou organização e atuam em sua capacidade individual.

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Fonte: https://brasil.un.org/pt-br/236080-brasil-especialista-da-onu-preocupado-com-doutrina-jur%C3%ADdica-que-amea%C3%A7a-os-direitos-dos-povos

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