Plataforma de Comunidades Locais e Povos Indígenas da UNFCCC busca novas ideias para impulsionar engajamento de governos em meio a críticas sobre sua efetividade nas negociações sobre clima.

Dubai, Emirados Árabes Unidos – Penas, cocares, maracás e coloridos adereços se destacaram no meio das avenidas de pedestres lotadas da Expo City, em Dubai, mais do que em qualquer outra Conferência do Clima. Dos mais de 100 mil participantes, segundo informações da organização, aproximadamente três mil delegados brasileiros e, desses, estima-se que mais de uma centena indígenas. Parte desta delegação chegou uma semana mais cedo, ainda em novembro, para participar da 10ª Reunião do Grupo de Trabalho Facilitador da Plataforma de Comunidades Locais e Povos Indígenas (LCIPP) da Convenção do Clima (UNFCCC). O encontro discutiu novas modalidades, abordagens e atividades com o intuito de aprimorar este órgão, criado para valorizar e fortalecer a atuação de povos indígenas e comunidades locais nas negociações, em meio a um clima de avaliação sobre sua efetividade.

Criada em 2015 com uma estrutura única entre os órgãos da UNFCCC, a plataforma representa um passo importante para o reconhecimento dos povos indígenas na governança climática, funcionando através de um grupo de trabalho facilitador (FWG) que tem sete cadeiras para povos indígenas e outras sete para os governos. Os indígenas alcançaram igualdade de condições para atuação nesta instância podendo assessorar tecnicamente as Partes da Convenção. Mas seguem como observadores, e isso ainda é pouco.

Décima Reunião do Grupo de Trabalho Facilitador da Plataforma de Comunidades Locais e Povos Indígenas (LCIPP) – Acervo OPAN

Apesar dos avanços com relação à metodologia das reuniões da plataforma, na intenção de favorecer discussões mais aprofundadas em pequenos grupos e encaminhamento de sugestões por escrito, além dos esforços no sentido de oferecer tradução para a língua portuguesa devido ao número cada vez maior de indígenas brasileiros no últimas encontros, pesam críticas sobre o formato das reuniões, insuficientes para absorver as contribuições dos povos indígenas numa abordagem culturalmente adaptada. 

A partir de uma decisão tomada na COP26, em Glasgow, o grupo de trabalho criado para implementar a plataforma passará por uma revisão em 2024 pelas Partes da Convenção. Ela será feita a partir da análise de submissões dos observadores, cujo prazo se encerrou em 30 de novembro, de um relatório que será entregue na Conferência de Bonn, em junho do ano que vem, e da apresentação do terceiro plano de trabalho para a plataforma, que em Dubai recebeu sugestões dos participantes. 

Para que os povos indígenas consigam através da plataforma incidir nos trabalhos ligados à Meta Global de Adaptação (GGA), no Balanço Global (GST), no tema de financiamento, incluindo o fundo de perdas e danos, planos nacionais de adaptação, transição justa e outros assuntos, foram sugeridas novas modalidades de trabalho no seu escopo, como articulação com plataformas regionais ou globais, parcerias com o setor privado, adoção de forças-tarefas ou comitês para interação com outros órgãos de dentro e de fora da UNFCCC, realização de produtos específicos para capacitação e estratégia de disseminação desses produtos. 

Pequenos grupos contribuiram com discussões mais aprofundadas – Foto: Acervo OPAN

Destacou-se, também, a importância da manutenção de reuniões regionais e birregionais, o encontro anual de detentores de conhecimentos focando no compartilhamento de saberes intergeracional, as próprias sessões semestrais do FWG, e diálogos entre Partes e povos indígenas, o que foi considerado promissor. Em janeiro de 2024, os membros da plataforma vão se reunir para lapidar as propostas recebidas e sistematizar as ações que constarão no plano de trabalho da LCIPP de 2025 a 2027.

Para Sineia Wapichana, do Conselho Indígena de Roraima (CIR) e coordenadora nacional do Comitê Indígena de Mudanças Climáticas (CIMC), novas atividades da plataforma são necessárias para que a voz dos povos indígenas possa alcançar as demais instâncias da UNFCCC. “A intenção é entender como os povos podem se engajar melhor nas discussões da plataforma com seus conhecimentos tradicionais e como ela deve reportar isso”, comenta.

Sineia Wapichana (com o microfone) na COP 28 – Acervo OPAN

Diálogos com instâncias de dentro e fora da Convenção, como com o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), são atividades recorrentes da plataforma ao longo de seus dois primeiros ciclos de implementação, desde 2019. Mas, até agora, não renderam colaborações efetivas.

“Gostaríamos de expressar para esses outros órgãos que são convidados a falar na plataforma que tenhamos espaço para os povos indígenas que são pesquisadores, vivenciam e são doutores natos na questão do clima. Falaram que estão começando a preparar o próximo relatório do IPCCC. Há caminhos para submissão de estudos que valorizam a nossa visão de mundo” SINEIA WAPICHANA, DO CONSELHO INDÍGENA DE RORAIMA (CIR) 

Em Dubai, a co-presidente do Comitê de Adaptação da UNFCCC, Mariam Allam, do Egito, conversou com membros e observadores da plataforma. Ela reforçou seu compromisso em colaborar com a LCIPP, reconhecendo a relevância e valor dos sistemas de conhecimento dos povos indígenas para a adaptação às mudanças climáticas. Na prática, a colaboração com o Comitê de Adaptação através de ações específicas saiu como encaminhamento formal do encontro, válido para o plano de trabalho atual da plataforma e para o próximo.

Avaliação independente

Na esteira deste processo de aprimoramento, o Grupo de Trabalho Internacional de Assuntos Indígenas (IWGIA), uma organização global de direitos humanos com 55 anos de atuação sediada na Dinamarca, concluiu o estudo “Consolidando os direitos dos povos indígenas na governança climática através da Plataforma de Comunidades Locais e Povos Indígenas”, aportando objetivamente os progressos e as limitações desta instância na visão de membros, ex-membros, Estados e observadores.

Participantes da 10ª reunião do Grupo de Trabalho Facilitador da Plataforma – Foto: Acervo OPAN

O estudo já nasce como um material de referência porque resgata o recente histórico de construção da plataforma, explica como tem se dado o processo de operacionalização da instância, detalha as atividades dos dois primeiros planos de trabalho, avalia o mandato, as limitações da plataforma, o papel do secretariado da UNFCCC em sua condução e o engajamento dos governos. E, neste quesito, a plataforma decepciona. 

Parte do problema está no desinteresse dos governos em acompanhar esta agenda, que acaba ficando restrita a países historicamente mais engajados, resultando em maiores dificuldades para os pleitos dos povos indígenas surtirem efeito nas negociações. Segundo os participantes do estudo, o envolvimento dos governos tem sido passivo em grande medida. “Seu silêncio reforça a falta de vontade política dos países para encaminhar assuntos que motivam as demandas de participação dos povos indígenas, como a discussão sobre direitos, incluindo autonomia ou direito à terra, que são cruciais para lidar com a vulnerabilidade às mudanças climáticas”, afirma o relatório. Para Marta Tipuici, do povo Manoki, que acompanhou a reunião do FWG pela primeira vez, deu para notar claramente que os problemas não estão só na esfera da acessibilidade.

“Podemos contribuir enquanto sociedade civil, mas se não nos apropriarmos direito deste espaço teremos dificuldades, tanto quanto a própria plataforma tem dificuldade para ser entendida pelos governos”.MARTA TIPUICI, DO POVO MANOKI

Outro ponto sensível é a não participação de comunidades locais na plataforma e o movimento de abolir a utilização do termo “comunidades locais” associado e conjuntamente aos povos indígenas. Nos últimos encontros da plataforma, este tema vem gerando debates e posicionamentos, inclusive, favoráveis à reformulação da plataforma no âmbito de seu processo de revisão, tornando-se um espaço apenas para indígenas.

O estudo da IWGIA ainda analisa o impacto da plataforma no nível da Convenção, nacional e local, traçando recomendações, que na verdade são reafirmações dos pleitos indígenas em todas as instâncias, como o seu reconhecimento como detentores de conhecimento, respeito à autodeterminação, a necessidade de operacionalização da plataforma como um propulsor do fortalecimento de ações e governança climática visando mudanças estruturais mais sólidas, o engajamento com os planos de trabalho da plataforma para garantir coerência com as políticas de clima, entre outras.

Sineia Wapichana (de pé diante da mesa) será a próxima co-presidenta pela América Latina e Caribe do Fórum Internacional de Povos Indígenas sobre Mudanças Climáticas (Caucus Indígena)

Apesar das questões levantadas pela IWGIA, com mais de dez anos de experiência acompanhando o Fórum Internacional de Povos Indígenas sobre Mudanças Climáticas (Caucus Indígena) e na qualidade de indicada para a próxima co-presidência pela América Latina e Caribe, Sineia Wapichana também deixa uma recomendação concreta para que cada vez mais representantes brasileiros na plataforma consigam fazer a diferença. 

“Para incidirmos melhor, temos que aprender sobre a dinâmica e a metodologia para dentro desses espaços técnicos. Às vezes queremos levar muito de nós das bases. Isso não é proibido, mas temos que saber como fazer isso no nível global. Quando falamos para dentro, as pessoas não dão muito ouvidos. Então precisamos aprender essa metodologia do técnico, de como estar nesses espaços, pra estudarmos uma forma de trazer esse nosso conhecimento, não perdendo esse nível de mundo, do pequeno para o grande. Se falamos muito para nós mesmos, não conseguimos incidir em outros países. O importante é que nos juntemos com os povos do mundo todo, pra que sejamos uma voz só”, disse.

* O acompanhamento da LCIPP/UNFCCC é fruto de uma parceria entre a OPAN e a Rede de Cooperação Amazônica (RCA) com apoio do Instituto Clima e Sociedade (iCS) e Fastenaktion.

#clima#COP26#Mudanças climáticas

Fonte: https://amazonianativa.org.br/2023/12/11/mirando-acima-do-muro/

Thank you for your upload