por Marcelo Zelic

O Jaraguá é Guarani dizem não só os indígenas que vivem na menor área indígena do Brasil, mas também a justiça que suspendeu a portaria que limitava a reserva indígena em São Paulo. Conforme argumento do MPF, que solicitou a suspensão à justiça federal, a decisão do ministro Torquato Jardim está embasada em “motivos falsos” e tomada sem consulta aos órgãos competentes. 

Não foi este o único caso de tentativa de reversão de direito que o governo sofreu revés nesta semana, na Câmara dos Deputados, além da Comissão de Direitos Humanos e Minorias que também aprovou proposta que susta esta mesma portaria derrubada pelo judiciário do caso Jaraguá, a Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia rejeitou o projeto 364/16 do deputado ruralista Jerônimo Goergen (PP/RS), que buscava anular a desapropriação para fins de reforma agrária da fazenda Marfim e Maratoan no Maranhão. Como este projeto existem muitos outros protocolados nesta legislatura que buscam reverter direitos e anular demarcações e desapropriações de terras para agricultores e povos indígenas realizadas no final do governo Dilma Rousseff. Não é a primeira e nem a última ação realizada com motivos falsos pelo governo Temer, basta ver os argumentos apresentados para realizar a Reforma da Previdência, que são desmentidos constantemente no Congresso, em artigos e nas ruas.

Apesar destas vitórias momentâneas, a violência e truculência segue seu rumo no país.

Em Mato Grosso do Sul 10 famílias de indígenas Guarani-Kaiowá foram despejados por ordem judicial de 1 dos 6 sítios ocupados nas imediações da Reserva Indígena de Dourados e não puderam sequer retirar seus pertences da área, num flagrante e desumano desrespeito aos direitos humanos, onde os barracos foram queimados e até os alimentos foram perdidos. Mais um grupo de Indígenas vivendo em beira de estradas em nosso país. Esta situação tão dramática é o símbolo de uma nação sem ética e de uma justiça atrelada a negócios.

A reserva Indígena de Dourados é a área indígena com a maior densidade populacional no Brasil, não existe uma cidade no Mato Grosso do Sul que possui esta concentração populacional.

Apesar da desumanidade que rege os poderes neste estado as famílias resistem e reivindicam as terras excluídas na demarcação imposta a este povo no passado. É uma luta cotidiana contra a violência estrutural que os oprime e o fato de ser invisível aos olhos da sociedade, existe e segue. Ontem fecharam a rodovia MS-156 protestando por seus direitos.

No Piauí outra luta invisível continua vivendo suas batalhas diárias contra o desmando e a destruição do Cerrado brasileiro. “Os impactos do agronegócio nas comunidades tradicionais no Cerrado piauiense são enormes.”  Em uma audiência pública realizada pelo MPF no município de Corrente a descrição dos compromissos assumidos retrata a falta de ética e humanidade por parte daqueles que só pensam em commodities. “O MPF deve intervir nas questões da violência, das ameaças, milícias e intimidações e a problemática da precariedade escolar na região, denúncias realizadas durante visitas às comunidades e reforçadas na Audiência. Além disso, a proibição efetiva da pulverização aérea juntamente com uma fiscalização sobre os tipos de agrotóxicos utilizados na região.” A monocultura além de acabar com o Cerrado, não enxerga a existência dos outros, talvez por isso o Ministério do Meio Ambiente anunciou que irá monitorar o Cerrado por satélite, basta saber se até colocar o monitoramento em pé, o cerrado e o povo que nele vive ainda existirão.

Enquanto a política agrícola faz avançar desmatamento e destruir biomas e vidas, na Câmara dos Deputados especialistas informam em uma audiência pública na Comissão de Integração Nacional, que “o aumento da temperatura global tem levado a Amazônia a conviver com secas e inundações severas e sucessivas, com sérios riscos à população e danos ao bioma”. A esquizofrenia do Congresso Nacional me faz lembrar a situação que vivi parado no transito em São Paulo em que o radialista da CBN falava do absurdo congestionamento na cidade e logo em seguida festejava o aumento da venda de carros. O agronegócio tem sistematicamente destruído os vários biomas que existem no Brasil, como se não houvesse um equilíbrio e uma interdependência entre todos.

Com o dinheiro do criminoso incentivo às petroleiras daria por exemplo para demarcar todas as terras indígenas no Brasil, que como já há dados é o que pode garantir os biomas em pé, além de sobrar para investimentos de monitoramento e manejo sustentável por parte das comunidades tradicionais. Mas vivemos num país tomado por prioridades invertidas onde o bem viver da população pouco importa, contrapondo aos prêmios agraciados a brasileiros que se dedicam a um manejo florestal comunitário e familiar.

Avener Prado/Folhapress

Não é só o agronegócio que forma um Brasil sem ética e para poucos, a mineração também tem suas garras. No Amapá o MPF “afirma que a Cooperativa de Mineração dos Garimpeiros do Lourenço (Coogal), em Calçoene, a 366 quilômetros de Macapá (AP), era usada como fachada para encobrir uma organização criminosa, formada por empresários e servidores públicos, que exploravam de forma predatória o ouro na região. O esquema foi revelado na semana passada, quando a Polícia Federal deflagrou a Operação Minamata”. Na operação foram resgatados 16 escravos.

No Amazonas áreas de índios isolados, que por lei devem estar interditadas, são atacadas pelo garimpo ilegal. A FUNAI e o Exército brasileiro acabaram de encerrar uma operação na Terra Indígena Vale do Javari, dez balsas de garimpo foram destruídas, houve apreensão de ouro, equipamento e armas. Os recursos dados em forma de incentivo fiscal às petroleiras, poderiam manter também a base de vigilância  e monitoramento da Frente de Proteção aos Índios Isolados e Contato Recente, que há 4 anos está abandonada por falta de recursos. Sabemos todos que recursos há, o que não há é um país para todos.

Em Minas Gerais com a troca do comando do Ministério Público Estadual surgem denúncias de que um procurador faz lobby para a SAMARCO voltar a atuar na região.  Precisa dizer mais alguma coisa sobre o poder do lobby da mineração, basta lembrar que o Senador Romero Jucá segue livre, leve e solto.

O Brasil vive uma crise ética e humanitária.

 


Resenha Indígena é uma publicação do Observatório dos Direitos e Políticas Indigenistas (OBIND), programa de extensão e ação continuada da UnB.

Marcelo Zelic – Membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo e coordenador do projeto Armazém Memória, é um dos coordenadores do OBIND.

 

 

 

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