Por Giovanna Carneiro, do Marco Zero Conteúdo
Recife (PE) – Na manhã desta sexta-feira, 24 de junho, o corpo do indigenista Bruno Pereira está sendo velado no cemitério Morada da Paz, na Região Metropolitana do Recife. A cerimônia contou com as presenças de familiares, amigos e dos indígenas da etnia Xucuru, da Serra do Ororubá, em Pesqueira, no Agreste de Pernambuco. A cerimônia de cremação acontecerá nesta tarde e será reservada à família, que divulgou uma nota à imprensa.
“A família está se despedindo de Bruno com coração cheio de gratidão por ter tido ele em nossas vidas. A vida de Bruno foi de coragem, dedicação e fidelidade à causa dos indígenas”.
Mesmo morando em Belém (PA) com a esposa, a antropóloga Beatriz Matos, e os dois filhos, Bruno Pereira costumava vir com frequência ao Recife, onde nasceu, para visitar os pais, nas horas que deixava o trabalho Vale do Javari, no oeste do Amazonas, local onde foi assassinado junto do jornalista Dom Phillips, no dia 5 de junho.
O indigenista Bruno Pereira é servidor concursado da Funai desde 2010 e foi coordenador regional do Vale do Javari, em Atalaia do Norte (AM) até 2016. Em 2019, assumiu o cargo de coordenador-geral de Índios Isolados e de Recente Contato da Diretoria de Proteção Territorial da Funai. Segundo o site Rede Brasil Atual, o indigenista saiu do cargo por pressões de ruralistas ligados ao presidente Jair Bolsonaro (PL). Conforme a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), atualmente Bruno coordenava como assessor o trabalho de monitoramento da Terra Indígena Vale do Javari.
A paixão pelo Sport Club do Recife e o orgulho de ser pernambucano fizeram parte da despedida do indigenista. As bandeiras do Estado e do clube de coração estavam dispostas sobre o seu caixão.
O corpo de Bruno Pereira chegou ao Recife na tarde da quinta-feira (23). Participam da cerimônia de despedida representantes de organizações de direitos humanos.
Logo nos primeiros minutos do funeral, a emoção tomou conta de todos com a chegada dos indígenas Xucuru. Eles entoaram cânticos quando entraram no cemitério Morada da Paz.
“Oh, meu irmão, oh, irmão meu. Cadê o meu irmão que não vem brincar mais eu?”, cantavam os Xucuru enquanto balançavam seus instrumentos de percussão. O cântico continuou quando chegaram próximo ao caixão de Bruno. Os pais e a esposa do indigenista assistiam a homenagem com muita emoção.
“Não poderíamos não estar presentes aqui no dia de hoje, representando todos aqueles que não puderam estar aqui para dizer que Bruno e Dom vivem em cada um de nós”, declarou o cacique Marcos Xucuru, cujo pai, o cacique Chicão, também morreu assassinado em maio de 1998, a mando de fazendeiros contrariados com a luta do povo Xucuru pelas suas terras. “Hoje eu gostaria de dizer para Bruno o que minha mãe disse quando meu pai foi assassinado: ele não vai ser enterrado, ele vai ser plantado porque dele vão nascer novos guerreiros”, afirmou a liderança indígena.
Após a apresentação dos Xucuru, Eriberto Marubo, diretor do Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados (OPI), se dirigiu aos pais de Bruno: “Hoje, ele pertence a todos os povos indígenas. Vocês têm um filho herói para nós”. Após a fala de Eriberto, o cacique Marcos colocou sobre o caixão de Bruno o chapéu de ritual dos Xucuru do Ororubá, feito de palha de buriti, um dos objetos mais sagrados para o povo do agreste pernambucano.
No final da cerimônia, após a celebração da missa, chegaram os representantes do povo Pankararu, do sertão do São Francisco, que também homenagearam Bruno Pereira.
Ninguém da família do indigenista concedeu entrevista, mas a cunhada de Bruno, Thamy Rufino, leu a seguinte nota, publicada na íntegra:
A família está se despedindo de Bruno com o coração cheio de gratidão por ter tido ele em nossas vidas.
A vida de Bruno foi de coragem, dedicação e fidelidade à causa dos indígenas.
Bruno tinha uma missão e iluminou sua causa, levou ela para o mundo.
Neste momento e durante a última semana, indígenas de todo o país fizeram seus rituais de passagem e homenagearam Bruno Pereira. Agradecemos a todos.
Aos familiares, aos amigos, aos indígenas e a todas as pessoas que oraram, buscaram, trabalharam, representaram Bruno, somos eternamente gratos.
Que Deus em sua imensidão possa retribuir a vocês e às suas famílias.
Agora estamos dedicados ao amor, ao perdão e à oração.
As lutas a serem travadas
Sala do velório de Bruno Pereira no cemitério Morada da Paz, em Paulista, Região Metropolitana do Recife (Foto: Arnaldo Sete/Marco Zero Conteúdo)
Chegada dos restos mortais de Bruno Pereira para o velório no cemitério Morada da Paz, em Paulista, Região Metropolitana do Recife (Foto: Arnaldo Sete/Marco Zero Conteúdo)
Chegada dos restos mortais de Bruno Pereira para o velório no cemitério Morada da Paz, em Paulista, Região Metropolitana do Recife (Foto: Arnaldo Sete/Marco Zero Conteúdo)
Indígenas Xucuru Ororubá compareceram ao sepultamento e prestaram homenagens à Bruno Pereira (Foto: Arnaldo Sete/Marco Zero Conteúdo)
Indígenas Xucuru Ororubá compareceram ao sepultamento e prestaram homenagens à Bruno Pereira (Foto: Arnaldo Sete/Marco Zero Conteúdo)
Marcos Xucuru no velório de Bruno Pereira (Foto: Arnaldo Sete/Marco Zero Conteúdo)
Indígenas Xucuru Ororubá compareceram ao sepultamento e prestaram homenagens à Bruno Pereira (Foto: Arnaldo Sete/Marco Zero Conteúdo)
Indígenas Xucuru Ororubá compareceram ao sepultamento e prestaram homenagens à Bruno Pereira (Foto: Arnaldo Sete/Marco Zero Conteúdo)
O jurista e professor Manoel Moraes, coordenador da cátedra Dom Hélder Câmara da Unesco/Unicap, foi enfático ao declarar que a prisão dos assassinos não significa que a Justiça está feita: “É muito doloroso. A gente tenta encontrar algum conforto nas homenagens feitas pelos indígenas, mas o concreto é que um assassinato ainda não foi desvendado e é muito importante que a Polícia Federal e o Estado brasileiro possam trazer evidências efetivas de quem mandou matar Bruno Pereira, isso ainda não foi respondido. É muito pouco você acreditar que o crime foi motivado por uma questão local. Não foi uma questão local, foi um crime movido por interesses internacionais”.
Amigo de Bruno e com larga experiência no trabalho com os povos indígenas na fronteira com a Colômbia, onde desenvolve projetos de preservação e fiscalização em terras indígenas, Renato Athias, da Associação Brasileira de Antropologia, conhecia de perto a atuação do indigenista assassinado.
“O trabalho que Bruno estava desenvolvendo no Javari era um projeto piloto muito importante, não só para o georreferenciamento da região, mas também em defesa do patrimônio territorial das terras e para nós era fundamental. O trabalho de Bruno não vai parar, muito pelo contrário, vai despontar novas possibilidades de visibilidade desse trabalho e todos os antropólogos estão comprometidos em dar continuidade ao projeto e garantir a fiscalização do Vale do Javari, que está completamente ameaçado por garimpeiros, madeireiros e empresas mineradoras, e uma invasão que foi feita graças aos olhos fechados do Ministério do Meio Ambiente e da própria Funai”.
Tristeza e revolta

(Foto: Arnaldo Sete/Marco Zero Conteúdo)
Simultaneamente ao funeral, o OPI emitiu uma “nota de tristeza e revolta”.
“Hoje enterramos Bruno, nosso irmão mais velho. Hoje, a terra onde ele nasceu o recebe, seu corpo reencontra o barro, as raízes das plantas, a água e o calor do solo. Seu corpo carrega o perfume salgado do mar e o aroma denso da mata que ele defendeu até que os destruidores da floresta o mataram de forma traiçoeira. Nossos olhos misturam lágrimas de tristeza profunda e de revolta intensa. Mataram Bruno e seu amigo Dom à beira do rio Itacoaí, numa manhã de domingo de fim de inverno, quando ele voltava de uma temporada junto aos seus melhores amigos, junto aos seus melhores mestres, com os quais ele aprendeu a entoar os cantos da festa”, diz um dos trechos.
Para a OPI, o indigenista assassinado tinha uma mensagem política clara: “Bruno teve uma paixão imensa, uma emoção que ele fez transbordar a tantas pessoas de tantos lugares: soube que no coração da mata os povos indígenas isolados lançavam seu grito de recusa contra a violência invasora. A voz dos povos indígenas isolados, daqueles que duramente sobreviveram a massacres e pestilências nossas, ecoou pelo mundo afora porque Bruno espalhou seu desejo: o desejo de deixá-los em paz, sem os burocratas do Estado, sem as fardas de militares que empunham armas, sem as cruzes sagradas das missões da morte, sem o brilho de ouro falso do capital insaciável”.
Obrigada,
Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados – OPI.
Jornalista formada pela Universidade Federal de Pernambuco, já atuou como repórter no jornal Folha de Pernambuco. Idealizadora e colaboradora do projeto Revista Gruvi, uma revista eletrônica que produz conteúdo sobre música e cultura pernambucana. Mestranda do Programa de Pós-graduação em Comunicação da UFPE e pesquisadora na área de Comunicação e Música no Laboratório de Análise de Música e Audiovisual (LAMA). Em 2021, foi finalista do 26º Prêmio Cristina Tavares de Jornalismo na categoria estudante.
Fonte: https://amazoniareal.com.br/a-vida-de-bruno-foi-de-coragem-diz-familia-no-velorio-em-recife/
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