“As lideranças me ligaram por orelhão e falaram sobre esse novo ataque. Os garimpeiros continuam usando bombas de gás. Eu não sei o que mais eles estão usando. Não sabemos se é só bomba mesmo ou se tem algo com outras substâncias”, afirmou Dário Kopenawa à Amazônia Real . “Mas eles estão atacando e adoecendo nosso povo, a situação continua tensa, não acalmou nada. Os Yanomami estão correndo risco ainda, porque não tem nenhuma proteção, não temos segurança.”O cerco dos garimpeiros aos Yanomami se iniciou dia 10 de maio, quando a aldeia Palimiu (que tem o mesmo nome da região) foi alvo dos invasores . O clima de terror se seguiu nos dias seguintes, sem que os indígenas recebessem, até o momento, proteção policial e segurança permanente do governo federal, apesar de determinação judicial.
A própria segurança
Dário Kopenawa durante viagem pelo rio Negro
(Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)
“As ameaças estão avançando. A região toda de Palimiu está correndo risco. Tem muitos garimpeiros. Estão subindo e descendo com uma intimidação muito grande. Tirando fotos, falando palavrões, mostrando armas de fogo, algo tem que ser feito, e tem que ser feito urgente. O povo está com medo, com muito medo”, relatou Dário à reportagem.
As principais lideranças vêm recebendo ameaças de morte dos garimpeiros cada vez mais explícitas por parte dos garimpeiros. Sem proteção policial do Estado brasileiro, os Yanomami decidiram fazer a segurança das comunidades por conta própria. Agora, grupos ficam em vigilância durante toda a noite.
“A nossa parte nós estamos fazendo. Os guerreiros Yanomami estão se protegendo entre eles lá”, adiantou Dário Kopenawa. “As lideranças ficam fiscalizando mantendo um metro de distância do rio, quando eles avistam os garimpeiros informam para os nosso irmão se esconderem e procurar formas de se proteger contra os ataques.”
Para o vice-presidente da HAY, o trabalho de segurança na Terra Indígena tem que ser permanente diante das ameaças contínuas. “Esse novo ataque mostra que os garimpeiros vão continuar atacando o povo Yanomami. O povo branco acha que os ataques acabaram, mas ainda continuam. Já pedimos que tenha uma tropa permanente na região. Até agora os órgãos públicos não deram retorno pra gente”, afirmou Dário.
No novo ofício enviado na segunda-feira (7) ao Ministério Público Federal (MPF), à Polícia Federal (PF), ao Exército e à Funai, Dário Kopenawa cobra ações imediatas na comunidade. “Insistimos para que continuem atuando para impedir o avanço da atividade ilegal e a consequente espiral de violência para garantir a segurança das comunidades indígenas no Palimiu e na Terra Indígena Yanomami”.
Procurada pela Amazônia Real , a PF informou, por meio da assessoria de comunicação, que ainda não foi comunicada sobre o novo ataque na aldeia Yanomami. Já o MPF disse estar ciente da situação. “Todo novo conflito em TI passa a integrar o procedimento e ações já existentes. Inclusive àquela que pedimos destacamento de segurança para as comunidades, que já tem decisão favorável da Justiça Federal”, informou o MPF, em nota.
Após a publicação desta reportagem, o Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kuana (Condisi/YY) comunicou um outro ataque . A entidade enviou nesta quarta-feira (09) um ofício ao MPF informando um outro ataque, desta vez ocorrido nesta terça-feira (08), por volta de 14h30, na comunidade do Walomapi, também na região do Palimiu. O documento, assinado por Junior Hekurari Yanomami, pede que medidas sejam tomadas. O ofício foi encaminhado ao MPF, à Polícia Federal, à 1º Brigada de Infantaria da Selva do Exercito – 1º BIS e à Frente Etnoambiental Yanomami.
“Foi nos informado pela Liderança Indígena da localidade, às 08h59 de hoje (09), que os indígenas haviam retornado de uma caçada e foram alvejados por garimpeiros armados que estava na beira do rio, o que demonstra ter sido uma emboscada, e dispararam tiros em direção dos indígenas que fugiram e mergulharam no rio”, relata Junior.
Segundo o ofício do Condisi, os invasores avisaram que retornaram ainda nesta quarta-feira, em 20 embarcações.
“Os ataques iniciaram no dia 10 de maio e desde então foram enviados diversos pedidos por parte deste Conselho, e as equipes que deram entrada na Comunidade, realizaram apenas a oitava com os Indígenas. Chegamos ao trigésimo (30) dia desta situação caótica, e precisamos que os órgãos responsáveis atuem com urgência conforme seu dever legal”, diz a nota.
Corrida pelo ouro
Garimpeiros seguem de barco pelo rio Uraricoera em abril de 2021
(Foto: Christian Braga/Greenpeace)
O mercado ilegal de ouro que explora a TI Yanomami, além dos impactos ambientais apresenta uma escalada de violência contra os povos indígenas. Os ataques à região de Palimiu começaram no dia 10 de maio, quando garimpeiros a bordo de sete barcos e portando armas de fogo atiraram contra indígenas que revidaram. Cinco pessoas ficaram feridas, sendo um indígena e quatro garimpeiros.
A Amazônia Real revelou que os executores do ataque são ligados ao Primeiro Comando da Capital (PCC) , facção criminosa de São Paulo que domina o tráfico de drogas em Roraima e já está operando em garimpos ilegais de ouro dentro do território indígena.
Um dia após o primeiro ataque, uma equipe de agentes da PF foi recebida à bala por homens que estavam numa embarcação no rio Uraricoera próximo à aldeia Palimiu. A violenta recepção surpreendeu até mesmo os agentes federais, que se retiraram do local, deixando os Yanomami desprotegidos. No dia 12, a comunidade relatou à Hutulara que cerca de 40 barcos circulam pela região do Palimiu , intimidando e ameaçando os indígenas.
“É muito difícil. O trabalho que os órgãos fazem é só um bate-e-volta. Vão lá mas não ficam tempo suficiente, não dormem nas comunidades. Falam que têm dificuldades, é perigoso. Dizem para os Yanomami que são poucos policiais, com tudo isso quem está em perigo somos nós, os povos indígenas”, criticou Dário Kopenawa.
Naquele mesmo dia 12 de maio, os garimpeiros fizeram protestos no centro de Boa Vista. Eles levaram um caixão vazio até o Monumento ao Garimpeiro, na Praça do Centro Cívico, como um ato simbólico à morte do garimpeiro Elielson Barbosa da Costa. O caixão foi levado também para a frente das sedes da PF e da Justiça Federal. Na noite de domingo (16), eles voltaram a atacar a TI Yanomami, desta vez com o uso de bombas de gás lacrimogêneo. Os invasores chegaram em 15 lanchas.
“Nós estamos sofrendo há quase seis anos com a presença de garimpeiros ilegais na Terra Indígena Yanomami. Lideranças locais sendo ameaçadas, a nossa terra está toda invadida. Já morreram muitos dos nossos parentes, nossos ancestrais. Essa corrida pelo ouro tem deixado nossa terra vulnerável, além disso a influência levada pelo garimpo tem afetado o nosso povo, com o alcoolismo, drogas e violências ”, desabafou Dário Kopenawa.
“São mais de 20 mil garimpeiros na Terra Yanomami. Nas comunidades, os três rios principais são ocupados pelos garimpeiros, com muitas balsas e muitos aviões, helicópteros, e barcos. O rio Uraricoera na região do Palimiu, no rio Mucajaí os Yanomami estão sofrendo lá também. No rio Piaú também estão correndo risco”, relatou.
Para a liderança indígena, todos esses ataques são resultado da ganância do homem branco por ouro e dinheiro. “O povo da cidade tem ganância, quer ganhar dinheiro sem pensar nos riscos para a vida das pessoas. Essa corrida pelo ouro precisa acabar urgentemente para que o nosso povo não acabe primeiro.”
Operação do Exército
Garimpo que foi alvo da operação da PF, Ibama e Exército
(Foto: EB/Divulgação)
Entre os dias 12 de maio e 4 junho de 2021, segundo divulgou a 1ª Brigada de Infantaria de Selva, o Exército apoiou as ações da PF, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama), da Fundação Nacional do Índio e do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Yanomami na Comunidade Indígena Palimiu e nas áreas de garimpos ilegais.
Segundo a Brigada, a ação resultou na desativação de 7 garimpos ilegais a partir da inutilização de 35 motores para garimpagem, 10 geradores/motores de energia, 1 embarcação, 4.500 lieros de óleo diesel, 1 solda elétrica e a apreensão de 50 munições Cal 20, 4 munições Cal 38 e 750 gramas de mercúrio.
A Amazônia Real entrou em contato com o Exército para saber se durante a operação algum garimpeiro foi preso, mas o órgão federal não respondeu até a publicação desta reportagem.
Garimpo no rio Uraricoera em abril de 2021 (Foto: Christian Braga/Greenpeace)
Esta matéria foi atualizada às 20h10 do dia 09 de junho para incluir informações sobre ataque a outra comunidade Yanomami, no dia 08.
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