Pedido protocolado na terça-feira (2) pede que Estado brasileiro crie políticas de reparação aos povos originários
Cerca de 500 depoimentos de camponeses e indígenas, vítimas de tortura e perseguição durante a guerrilha do Araguaia, foram registrados – Foto: Guilherme Xavier Neto / Divulgação MST
Dez anos após o reconhecimento das atrocidades cometidas contra povos indígenas durante a ditadura civil-militar (1964-1985), entidades de direitos humanos e representantes indígenas denunciam à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) a lentidão do Estado brasileiro no processo de reparação. O pedido foi protocolado nessa terça-feira (2).
No documento, os signatários apontam que o Estado brasileiro já produziu vários documentos que reconhecem as violações sofridas pelos povos indígenas e que, neste momento, é preciso celeridade nas políticas de reparação aos povos originários. “Os crimes hediondos como assassinatos, estupros, exploração sexual, torturas, remoções forçadas, trabalho análogo à escravidão, compra e arrendamentos de terras de maneira ilegal permanecem impunes, perpetuando a dor e a marginalização das vítimas”, afirmam.
O documento cita o Relatório Figueiredo de 1967, que reconheceu vários atos violadores cometidos já no início do próprio regime militar. Em 2014, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) lançou seu relatório final, reconhecendo ao menos 8.350 mortes de indígenas durante a ditadura, número que deve ser “exponencialmente maior”.
No Rio Grande do Sul, descreve documento, os indígenas sofreram violações de seus direitos, dos corpos e dos seus territórios durante a ditadura civil-militar, como remoções forçadas de suas terras tradicionais para dar lugar a projetos de construção de barragens, rodovias e exploração de recursos naturais. Esses povos foram forçados ao trabalho em fazendas, em condições análogas à escravidão.
“Além das práticas de tortura de indígenas que vivenciamos, o regime repressor também perseguiu indígenas que se posicionaram contra o regime, pois havia imposição e censura sobre a produção cultural e intelectual do país. Muitos foram mortos ou desapareceram durante o período do regime militar”, denuncia Patrícia Ferreira Yxapy, articuladora das mulheres Guarani do Rio Grande do Sul na Comissão Guarani Yvyrupa (CGY).
Pouco avanço institucional
As entidades signatárias da solicitação, incluindo a CGY, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), criticam a ausência de um plano estratégico por parte do Estado brasileiro para reparar os crimes do passado. As poucas iniciativas existentes, como a reparação da União e da Funai aos Panará (MT) em 1998; os Akrãtikatejê (PR) contra a Eletronorte em 2002; a Ação Civil Pública contra o massacre dos Waimiri-Atroari, de 2017; a Ação Penal contra o genocídio da etnia Krenak; e a própria criação do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), em 2023, são consideradas infrutíferas e incapazes de atender às demandas urgentes dos povos indígenas.
“Desde a publicação do relatório pela comissão, em 2014, passou uma década e nenhuma das recomendações feitas foi colocada em prática pelo Estado brasileiro. Vimos uma tentativa de golpe na semana passada na Bolívia. É isso que acontece com os Estados que anistiam as afrontas ao Estado Democrático de Direito”, frisa Célia Xakriabá. Ela aponta que, apesar do reconhecimento oficial, as reparações para os povos indígenas e punições aos crimes cometidos durante o período perpetuam as violações contra os povos originários.
O documento protocolado na CIDH exige ações seguintes efetivas:
● Reconhecimento público das violações sofridas pelos povos indígenas durante a ditadura militar;
● Investigação e punição dos responsáveis pelos crimes;
● Implementação de medidas de reparação integral, incluindo indenizações, reconhecimento da verdade e garantias de não repetição;
● Demarcação de terras indígenas e proteção ambiental de seus territórios;
● Combate ao racismo estrutural e promoção da inclusão social dos povos indígenas.
● Instalação de uma Comissão Indígena da Verdade;
● Participação das comunidades indígenas na realização do planejamento estratégico para as reparações contra os crimes da ditadura civil-militar.
Luta por memória, verdade e justiça
Os crimes cometidos pelo Estado brasileiro e seus agentes contra os povos indígenas devem ser reconhecidos, reparados e publicizados, segundo Hélio Gimenes Fernandes – Verá Hatá, coordenador do CGY. Já Célia Xakriabá frisa que “garantir a efetividade dos direitos dos povos indígenas à memória, à verdade e também reparação e justiça é caminhar no lado certo da História”.
A luta por memória, justiça e reparação é ponto inegociável, conforme aponta a defensora pública Alessandra Quines, que coordena o Centro de Referência de Direitos Humanos da Defensoria Pública do RS (DPE-RS). “O direito à reparação histórica é inegociável e premente, sendo nosso dever provocar todas as instâncias que tenham atribuição para ajudar a realizá-lo. Esperamos que a CIDH se integre a esse movimento prontamente.”
Conforme a deputada Laura Sito (PT), presidenta da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, que também assina o pedido à CIDH ao lado de outros parlamentares, se faz necessária a construção de políticas e medidas de justiça de transição. “Não há espaço histórico, político e social para o esquecimento, especialmente daqueles traumas sociais que ainda não foram devidamente enfrentados. Devemos estar permanentemente vigilantes e prontos para defender a democracia Brasileira.”
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Marcelo Ferreira
Fonte: https://www.brasildefato.com.br/2024/07/03/entidades-recorrem-a-comissao-interamericana-de-dh-por-reparacao-contra-indigenas-na-ditadura
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