A antropóloga Lis Viana de Abreu, de 29 anos, é assistente de campo na operação da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) há quase dois anos. Ela trabalha em Pacaraima (RR), cidade na fronteira do Brasil com a Venezuela, e compartilhou os principais desafios de trabalhar em uma emergência humanitária no contexto da pandemia do novo coronavírus.

Como você e a equipe têm se adaptado para trabalhar no contexto da pandemia?

Devido à pandemia da COVID-19, o ACNUR está trabalhando intensamente para suprir as necessidades extras da população refugiada. Uma das nossas principais ações é promover o acesso à informação. Em muitas comunidades indígenas, por exemplo, somos a única fonte de informação das pessoas – não só sobre a pandemia, mas também sobre documentação, direitos e acesso a serviços.

Em Pacaraima, a equipe precisa ser versátil. Parte do meu trabalho é liderar os assuntos relacionados à população indígena e as atividades que realizamos com os refugiados. Como mencionei, a comunicação com as comunidades tem sido uma prioridade diária na resposta ao vírus.

Não basta apenas transmitir a mensagem. É preciso fazê-lo de uma forma acessível. Escutar a população é essencial na busca pela melhor forma de abordá-la. Eu diria que escutar as pessoas é a parte mais gratificante do meu trabalho. Não só o que dizem verbalmente, mas também a linguagem corporal. Posso sentir nos olhares e gestos um sentimento profundo de agradecimento, e isso me transforma.

Quais são os principais desafios enfrentados pela população atendida?

Se a pandemia já é um momento difícil para as famílias que têm onde se abrigar, que têm acesso a produtos de limpeza e higiene, você pode imaginar passar por esse processo em um local com pouca ou nenhuma infraestrutura para manutenção da higiene? Ou mesmo sem saber como se prevenir ou agir em caso de infecção? Essa é a realidade de muitas das populações com as quais o ACNUR trabalha diariamente.

Pacaraima é um município extenso, e há muitos grupos vivendo em ocupações espontâneas e locais remotos, como os Pemon-Taurepang. Para realizar atividades em uma das comunidades mais remotas, a equipe do ACNUR e parceiros caminham por cerca de 50 minutos até o local, inacessível de carro. Eles sempre nos recebem com mingau de banana, suco de limão, bacaba ou caxiri (bebida típica feita da mandioca).

Nos conte algo que te faz sentir esperançosa em um cenário tão difícil.

Testemunhar a solidariedade dos grupos Pemon-Taurepang que agora vivem no Brasil é algo que me motiva a seguir adiante. Há mais de um ano, eles receberam grupos numerosos de pessoas da mesma etnia que fugiam de conflitos na Venezuela. Algumas comunidades triplicaram de tamanho: mais de 1 mil pessoas chegaram ao Brasil em menos de uma semana, caminhando por trilhas muito mais antigas que a demarcação das fronteiras.

A forma como se apoiaram é exemplar. Quem chegou da Venezuela foi acolhido em segurança aqui no Brasil em uma terra indígena, junto a famílias que falam a mesma língua materna. Foram recebidos em um espaço onde puderam estabelecer suas casas e seguir com suas vidas, apesar de todas as dificuldades que resultam de um deslocamento forçado.

Desde então, eles permaneceram juntos, e agora estão se unindo mais ainda para se protegerem da pandemia. Os líderes de cada grupo reforçaram a importância de proteger o grupo inteiro. Vemos que a solidariedade é, de fato, a base das trocas humanas que fazem sentido neste momento mais do que nunca.”

O ACNUR segue atuando para proteger refugiados, pessoas deslocadas e comunidades que os acolhem do novo coronavírus.

 

 

Fonte: https://nacoesunidas.org/sinto-nos-olhares-e-gestos-das-pessoas-um-sentimento-profundo-de-agradecimento/

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