Em campanhas populares, antirracistas e coletivas distribuídas pelo Brasil, mulheres constroem “onda negra” para fortalecer a inclusão e acesso aos direitos dessa população. Conheça algumas delas

São Paulo – Há dois anos, a ativista pelos direitos humanos Mônica Cunha se sente “órfã de representatividade”. Desde a noite de 14 de março de 2018, quando a vereadora carioca Marielle Franco (Psol) foi assassinada, nenhuma outra mulher negra do campo progressista ocupou alguma das 51 cadeiras no plenário da Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Lá, a maioria é composta por homens brancos. A 10ª legislatura da Casa chega ao fim com uma Mônica impaciente. “Nós não podemos mais esperar para ver isso acabar”, lamenta. A urgência da ativista agora, no entanto, tem um prazo: o próximo 15 de novembro, data marcada para o primeiro turno das eleições municipais.

Aos 54 anos, Mônica é pré-candidata a vereadora do Rio, também pelo Psol, para enfrentar as barreiras da sub-representatividade, do racismo e do machismo. A mesma esperança move outras mulheres negras, como ela, e também indígenas. Espalhadas pelo Brasil, disputam uma vaga nas Câmaras de seus municípios.

Nesta quinta-feira (23), a Oxfam Brasil e o Instituto Afrolatinas realizaram uma live com oito pré-candidatas. Todas foram escolhidas a partir de critérios de diversidade regional e partidária, e estão em diferentes faixas etárias. Um debate necessário, afirmam. “Não um debate de confronto. Mas de valorização das trajetórias e das propostas das candidatas”, diz acoordenadora de programas da Oxfam, Tauá Pires.

“Entendemos que o momento de crise aumenta a importância de fortalecer iniciativas que tenham mulheres negras como protagonistas para que apresentem seus planos e sonhos ao conjunto da sociedade”, acrescenta.

REPRODUCAO
“Debate que queremos” com as pré-candidatas a vereadoras em diferentes estados do Brasil

Lugar de fala é na política

Mãe de três filhos homens e negros, Mônica se inseriu na luta social para entender o que fez dela, de suas próprias mãe e avó, serem todas mães de filhos mortos pelo Estado. Agora quer evidenciar que o cotidiano da violência não deve existir sobre as mulheres e a população negra.

“Como fundadora do Movimento Moleque, há quase 18 anos, construímos a duras penas uma educação antirracista para entendermos qual é o motivo dos nossos filhos serem encarcerados e assassinados. Resolvo, pelo apelo das mães, estar nesse lugar de pré-candidata, porque entendo que as nossas vozes precisam ser ecoadas. Como Marielle falou, temos que ocupar esse lugar porque ele também nos pertence”, destaca Mônica.

A luta pela equidade de gênero, em defesa do meio ambiente, da educação, política habitacional, entre outras pautas comum ao campo popular, também estão presentes nas propostas das outras sete candidatas. Mas, sobretudo, há uma diferença em pensar um projeto que seja para todos, a despeito dos interesses restritos da branquitude.

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Falta representavidade

Na luta coletiva, elas somam um quarto da população brasileira, ou 25,38% desse total, mas ocupam só 3% das cadeiras no parlamento. Nas últimas eleições municipais, apenas 32 mulheres negras foram eleitas. E ainda fecharão o mandato com 31, após a execução política de Marielle.

Conhecida da agenda em defesa do direito à educação desde a década de 1980, em Minas Gerais, quando lutava para garantir a inclusão dos filhos dos mais pobres e da população negra nas escolas, a educadora Macaé Maria Evaristo dos Santos, de 55 anos, lembra que toda essa exclusão da política institucional tem impacto direto sobre a qualidade de vida. Agora evidenciada pelo “abismo agravado” pela crise sanitária.

“Somos nós que estamos nos trabalhos terceirizados, em situação de desemprego e emprego informal, e que somos fortemente impactados por essa pandemia. São os nossos filhos que estão excluídos do direito à educação”, descreve. “Por isso precisamos criar uma ‘onda negra’ nesse processo eleitoral. Fundamentalmente uma onda negra de fortalecer a necessidade da inclusão e do acesso aos direitos da população negra”, propõe Macaé, que é pré-candidata pelo PT em Belo Horizonte.

Por eleições antirracistas

“É importante a gente determinar que a branquitude é um sistema e as nossas candidaturas são anti-sistêmicas. Estamos em um processo – como a luta indígena diz – de retomada de territórios políticos que nos foram tiradas nesses 500 anos de colonização e de silenciamento de nossas lutas”. É o que frisa a professora de História, alfabetizadora e advogada popular Danielle Portela. Filha da democracia, como costuma se apresentar, ela tem 45 anos e é pré-candidata a vereadora pelo Psol em Recife.

De acordo com a organização do debate virtual, Pernambuco foi o estado com o maior número de inscrições com candidatas negras. Um crescimento que vem ocorrendo também pelas demais regiões. A ascensão, no entanto, não reflete em menos barreiras. Historicamente, lideranças e movimentos questionam no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a implementação de cotas para negros no financiamento. Além de tempo maior de propaganda eleitoral e divisão da cota feminina do fundo eleitoral.

Nessas eleições, o Instituto Marielle Franco, por meio da plataforma Pane Antirracista, também vem cobrando as mesmas demandas para impulsionar candidaturas negras. “Há uma ausência de políticas públicas”, comenta Danielle.

Aos 37 anos, a educadora e pré-candidata no município de São Cristóvão, em Sergipe, Renata Mendonça aponta os efeitos da falta de representatividade em sua cidade, a quarta mais antiga do Brasil. Segundo ela, toda a mostra cultural, histórica, sociológica e religiosa se mantém “apesar das gestões passadas e atual (do MDB)”. “Estamos carente de pessoas que representem realmente as minorias. A gente só vê as elites mandando e desmandando, sem conseguir ter aquela melhoria na desigualdade ou em melhores condições para os nossos municípios”, afirma.

Juventude na luta

Inspiradas nos mandatos coletivos que ganharam as eleições de 2018, pela primeira vez, como o Juntas, na Assembleia Legislativa de Pernambuco, e a Bancada Ativista, em São Paulo, três mulheres negras e jovens também estão na disputa eleitoral.

É o caso da ilustradora e militante Letícia Carvalho que, aos 23 anos, compõe a chapa Revolução Preta, pelo Psol, em Jaboatão dos Guararapes, em Pernambuco. Um mandato formado apenas por mulheres negras, LGBTs, periféricas e mães. Assim como a produtora cultural Michelle Andrews, de 35 anos, pré-candidata à vereadora pela Bancada Coletiva do Psol em Manaus. E a estudante de História, conhecida da luta do movimento estudantil, Renata Moara, 22 anos. Renata disputará a eleição pelo Coletivo Feminista Juntas do Psol, em Santarém, no Pará.

Mulher indígena e socióloga de formação, Pagu Rodrigues, 34 anos, concorre pelo PT em São Paulo. Por meio da experiência como assessora parlamentar na Câmara, ela conta no debate já ter “presenciado a não representatividade que São Paulo tem. São 55 vereadores e nem 20% são mulheres”, critica . “Temos que levar para frente esse projeto de combate às estruturas”.

Festival Latinidades

A apresentação das candidaturas antirracistas e contra o machismo marcou também a 13ª edição do Festival Latinidades. O evento é o mais representativo da América Latina e do Caribe e é voltado ao público de mulheres negras. O evento, que pela primeira vez ocorre virtualmente, segue até segunda-feira (27) com outras atividades. Você pode acompanhar, clicando aqui.

Serão transmitidas cerca de 60 atrações com palestras, apresentações culturais, oficinas, debates e shows. Toda a agenda também está inserida no Julho das Pretas. O mês em que se celebra o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, que será comemorado nesta sexta (25), quando também se lembra do Dia Nacional de Tereza de Benguela, outra mulher de luta que foi um líder quilombola.

Confira o debate na íntegra 

Edição: Fábio M. Michel

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