Documento divulgado hoje vê avanços mas avalia que não há “real controle territorial” e cita “sentimento de insegurança”

Por Rubens Valente

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Os seis primeiros meses da Operação Yanomami lançada em janeiro pelo governo federal para combater a desnutrição e os garimpos dentro da Terra Indígena foram marcados por “importantes avanços”, mas persistem focos de garimpeiros, um “sentimento de insegurança” e a falta de um “real controle territorial”. Sem esse domínio completo do território, as ações de saúde estão prejudicadas.

A conclusão é de um estudo de 43 páginas divulgado nesta quarta-feira (2) e intitulado “Yamaki ni ohotai xoa! Nós estamos sofrendo ainda: um balanço dos primeiros meses da emergência Yanomami”, foi realizado pela Hutukara Associação Yanomami (HAY), Associação Wanasseduume Ye’kwana (Seduume) e Urihi Associação Yanomami com pesquisadores do ISA (Instituto Socioambiental), Unifesp e Morzaniel Iramari Yanomami. A íntegra do levantamento está no link

Em 30 de janeiro passado, reconhecendo a crítica situação da saúde no povo Yanomami agravada durante o governo de Jair Bolsonaro (2019-2022), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou decreto (nº 11.405) pelo qual listou medidas para enfrentamento da ESPIN (Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional), declarada poucos dias antes pelo Ministério da Saúde, e do combate ao garimpo ilegal no território Yanomami, em Roraima.

O balanço divulgado pelas organizações indígenas levanta críticas sobre o papel das Forças Armadas na condução dos trabalhos de desintrusão dos garimpeiros e de apoio à distribuição das cestas básicas no território. Ao citar reportagem da Agência Pública de 20 de junho, o estudo menciona que os militares haviam distribuído, até aquele mês, apenas cerca de 50% de cestas solicitadas pela Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas). 

A ação dos militares teve problemas desde o início, segundo o balanço. No mesmo decreto presidencial, foi criada uma ZIDA (Zona de Identificação de Defesa Aérea), ou seja, seria em tese o fechamento do espaço aéreo na terra Yanomami. Mas a medida durou apenas seis dias, pois os militares cederam à “pressão de parlamentares de Roraima associados ao movimento dos garimpeiros”. Os militares optaram por criar “corredores” supostamente “humanitários”, medida que se estendeu por vários meses, até maio.

“Se por um lado essa opção reduziu os custos das ações de combate à atividade por parte do Estado, por outro permitiu que muitos financiadores retirassem seus equipamentos da terra indígena sem maiores prejuízos (veja o número total de aeronaves apreendidas e inutilizadas) e constrangimentos (com repercussões, inclusive, para as investigações sobre a ação desses grupos criminosos)”, diz o balanço.

Os “corredores” permitiram que diversos garimpos continuassem funcionando, inclusive com prostituição infantil, conforme demonstrou uma ação da polícia que resgatou, em março, uma adolescente de 15 anos vítima de exploração sexual.

“Os próprios agentes do Ibama, responsáveis pelas operações no terreno, criticaram a manutenção dos corredores por tanto tempo. Segundo a avaliação dos fiscais, os corredores viabilizaram a manutenção da exploração econômica por parte de determinados grupos, com consequências diretas para a segurança dos servidores. Desde que implantaram uma barreira no rio Uraricoera, já foram registrados pelo menos cinco ataques por parte de garimpeiros fortemente armados que tentaram romper o bloqueio do rio”, lembrou o balanço das entidades indígenas.

“Embora as ações de Proteção Territorial iniciadas em fevereiro de 2023, baseadas sobretudo na estratégia de ‘estrangulamento logístico’, tenham produzido importantes avanços no combate ao garimpo ilegal na TIY, alguns pontos como a flexibilização do controle aéreo por dois meses, a limitação dos esforços de controle territorial a somente duas bases de proteção, e a participação limitada das forças armadas, não possibilitaram o real controle da atividade, que ainda persiste em alguns núcelos de resistência na TI. Tal situação, faz com que o sentimento de insegurança ainda esteja presente no território e impede o avanço das ações de saúde para regiões sensíveis. Junto da falta de profissionais de saúde disponíveis e do baixo investimento em infraestrutura nas UBSIs essas são as principais razões apontadas por pessoas que estão atuando no terreno para a dificuldade de se retomar o atendimento regular, com qualidade nas aldeias.

Os indicadores de saúde, com efeito, não deixam dúvidas sobre os resultados tímidos do governo nesse tema. A ausência de uma coordenação das ações do governo no território Yanomami é também um dos principais fatores que explicam muitos problemas descritos neste relatório”. 

De acordo com o documento, recentemente “o Ministério Público Federal (MPF) também publicou um documento que analisa a trajetória das mortes evitáveis entre crianças menores de cinco anos na TI Yanomami. De acordo com o órgão, esse tipo de óbito quase dobrou nos últimos 8 anos, com picos em 2020 e 2022. E, quando se analisa o recorte de óbitos nessa faixa etária, tendo como causa da morte principal a desnutrição, verifica-se que no último quadriênio o total de mortes praticamente duplicou em relação aos quatro anos anteriores”.

Edição: Thiago Domenici

Fonte: https://apublica.org/2023/08/estudo-critico-faz-balanco-de-seis-meses-da-operacao-yanomami/

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