Indígenas Tapayuna em Brasília, durante o Acampamento Terra Livre em abril de 2024 – Aldrey Riechel/ADT Amazônia
Os 432 indígenas vivem hoje fora de seu território tradicional no Mato Grosso, considerado extinto pelo governo Geisel
Gabriela Moncau
Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
20 de agosto de 2024 às 18:09
Depois de serem praticamente extintos – com deslocamento forçado, envenenamento, surtos de doenças e de ter o próprio território decretado inexistente pela ditadura militar –, os indígenas do povo Kajkwakhrattxi-Tapayuna, no Mato Grosso, realizaram um censo próprio. Constataram um crescimento populacional de 158% em quatro anos.
A população Tapayuna, que em 2020 era de 167 pessoas segundo o Sesai e agora contabiliza 432, vive atualmente em duas áreas dentro do Parque Indígena do Xingu, fora de seu território ancestral.
Realizado com apoio de pesquisadores indígenas e equipe técnica do Programa Sociedade e Clima da ONG Amigos da Terra – Amazônia Brasileira, o censo é divulgado como parte de um processo de reorganização voltado à reconstituição dos Tapayuna como povo autônomo, com idioma e estrutura política própria. O mapeamento foi feito entre 31 de maio e 18 de junho de 2024.
“Os anciões, quando falaram das famílias, lembraram e ficaram emocionados”, relata Yaiku Tapayuna, assistente indígena que participou do levantamento de dados.
Segundo ele, o mapeamento permitiu que se aprofundasse na história do seu próprio parentesco e, em suas palavras, “na tradição dos nomes”. A forma como a pessoa é nomeada, na cultura Tapayuna, é variada. “Tem o nome da pessoa durante a festa, nome da pessoa dado por alguns anciões ou por fatos que acontecem, a pessoa dá nome por causa de algum acontecimento”, descreve Yaiku.
A maior parte de seu povo reside atualmente na aldeia Kawêrêtxikô, localizada na Terra Indígena (TI) Capoto Jarina. Depois de anos convivendo com os Kayapó na aldeia Metyktire, os Tapayuna criaram esta comunidade em 2008. Os demais Tapayuna vivem na Terra Indígena Wawi, junto com o povo Kĩsêdjê.
Resistência a etnocídio
O território original dos Tapayuna, rico em seringueiras, minérios e madeiras, fica próximo da cidade de Diamantino (MT), na região do rio Arinos e do rio do Sangue. De acordo com o censo, a população “enfrentou eventos marcantes de caráter etnocida ao longo de sua história”.
Dois deles envolvem envenenamento. O primeiro foi em 1953, quando a intoxicação por arsênico foi provocada como represália por ataques indígenas contra seringueiros que invadiam seu território.
O episódio é relatado no relatório de uma Comissão de Inquérito instaurada pelo Ministério do Interior em 1957 para investigar irregularidades no Serviço de Proteção ao Índio (SPI, que depois viraria Funai). O caso também consta no relatório da Comissão Nacional da Verdade, divulgado em 2014.
Em 1968, depois do contato com expedicionários, um surto de gripe matou muitos dos indígenas. Pouco depois, na década de 1970, houve o segundo caso de envenenamento em massa. Segundo o Instituto Socioambiental (ISA), invasores do território Tapayuna lhes ofereceram carne de anta contaminada. A população foi reduzida a 41 pessoas que, então, foram transferidas ao Parque Indígena do Xingu.
Em 1976, Ernesto Geisel, então presidente do regime empresarial-militar, decretou que não havia mais sobreviventes do povo Tapayuna e que a sua reserva indígena, criada em 1968, estava extinta.
“A suposta dizimação dos Kajkwakhrattxi-Tapayuna foi resultado de uma série de políticas governamentais que, desde o século 18, visava à ocupação e exploração econômica do interior brasileiro, ignorando a existência e a sobrevivência dos povos indígenas nestas regiões”, aponta o texto que acompanha o censo.
Para Luciane Simões, gerente do Programa Sociedade e Clima da ONG Amigos da Terra, “o censo revela que o crescimento populacional do povo Tapayuna é um poderoso ato de resiliência”.
“Apesar de ao longo dos anos terem sofrido diversas ações criminosas e de terem sido removidos de seu território original”, considera Simões, “eles continuam a preservar e transmitir seus costumes e saberes ancestrais”.
Edição: Thalita Pires
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