Três Guarani e Kaiowá foram presos na manhã desta sexta-feira (9) em ação definida pela Aty Guasu como de criminalização das retomadas do povo
Por Assessoria de Comunicação – Cimi
Os Guarani e Kaiowá Adilson Benites, Silvia Benites e Ivan de Oliveira Mariano, presos na manhã desta sexta-feira (9) na retomada Avaete, localizada no entorno da Reserva de Dourados, a 251 km de Campo Grande (MS), foram soltos em liberdade provisória no final da tarde, após audiência de custódia. Detidos na área indígena, são acusados de “invasão” a sítios, empresas e uma área onde estava sendo construído condomínio de luxo.
Para as lideranças da Aty Guasu, a principal organização política Guarani e Kaiowá, trata-se de mais uma forma de criminalizar as legítimas reivindicações do povo pela demarcação dos territórios tradicionais. Desde o dia 14 de julho, retomadas na Terra Indígena (TI) Panambi Lagoa Rica, em Douradina, e na TI Dourados Amambai Peguá I, cujo epicentro fica em Caarapó, vêm sendo atacadas deixando mais de uma dezena de feridos.
A Defensoria Pública da União (DPU) em Mato Grosso do Sul informa que as detenções aconteceram em cumprimento a mandado de prisão preventiva decretada nos autos de n.º 5002681-63.2023.4.03.6002, em trâmite na 1ª Vara Federal de Dourados. Além dos três detidos, outros dois indígenas estavam descritos na ordem de prisão, mas não foram localizados pelos policiais.
Conforme a nota, as informações foram obtidas depois de diligências por parte da DPU e do Núcleo Institucional de Promoção e Defesa dos Povos Indígenas e da Igualdade Racial e Étnica (NUPIIR/DPE-MS). “Solicitamos ao Juízo Federal a habilitação da DPU para a defesa dos indígenas presos e o acesso aos autos, que não estão disponíveis ainda por haver sigilo processual decretado”, diz. A DPU acompanhou os indígenas na audiência de custódia e seguirá os defendendo no processo.
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Ataques às retomadas
O indígena Ivan de Oliveira Mariano é alvo constante da criminalização a que se refere a Aty Guasu. Ele responde a outros processos com acusações semelhantes, sofre ameaças de morte constantes e certa vez foi baleado por seguranças privados contratados por quem reivindica a propriedade dos territórios tradicionais retomados.
Em 2019, durante sequência de ataques contra as retomadas Avaeté e Ñu Vera, denunciadas à Procuradoria Geral da República (PGR), um indígena declarou: “Não podemos mais nos locomover que eles ameaçam. As crianças chegam a ficar uma semana sem ir à escola porque eles ameaçam no caminho. Usamos uma estrada para ir a Dourados e nela somos ameaçados, os seguranças tiram a arma e ameaçam, colocam na direção da cabeça”.
As retomadas do entorno da Rserva de Dourados não são uma novidade. A partir de 2017, porém, elas passaram a ter mais notoriedade porque outras foram feitas por famílias Guarani e Kaiowá em busca de mais espaço fora da Reserva. Parte das áreas retomadas é de interesse da especulação imobiliária, com construtoras mirando negócios envolvendo condomínios de luxo.
Conforme artigo do Quilombo Invisível, na manhã do dia 06 de outubro de 2023, a retomada Avaete foi atacada com bombas e balas de borracha pela Polícia Federal, que atuava para cumprir mandados de busca e apreensão com base em Inquérito Policial distribuído na Justiça Federal. “Casas foram invadidas e baleadas, crianças e idosas foram atingidas por bombas, celulares foram apreendidos e famílias ameaçadas e intimidadas, inclusive pelo uso de drones na área da retomada. A comunidade relata a circulação de carros particulares minutos antes da repressão desatada pela PF, alguns dos quais vinculados a ameaças de morte com armas de fogo na região.
Perto de completar seis anos, a retomada Avaete possui esse histórico incessante de ataques e violações conduzidas pelas construtoas, fazendeiros e pistoleiros que a circundam e alternam produção de monoculturas de soja e milho e condomínios de luxo. É neste local e em retomadas vizinhas que, desde 2018, o “caveirão rural” vem sendo utilizado, lembra o texto do Quilombo Invisível. Se trata de um trator blindado e modificado para inserir armas em suas laterais, sistematicamente mobilizado para destruir casas e atacar os Guarani e Kaiowá. Em 2023, o caveirão voltou a atuar contra a comunidade.
Retomadas da Reserva de Dourados
As retomadas do entorno da reserva compõem um cenário mais amplo relacionado ao retorno dos Guarani e Kaiowá para territórios tradicionais de onde foram expulsos, no decorrer do século XX, e coagidos a viver em reservas – que podem ser vistas como campos de confinamento forçado para que o Estado pudesse se apropriar das terras do povo desocupadas e distribuí-las a colonos.
A Reserva Indígena de Dourados está dividida em duas áreas: Jaguapiru e Bororó, onde vivem os povos Guarani Nhandeva, Guarani Kaiowá e Terena, numa área com aproximadamente de 3.539 hectares (FUNAI). Ocorre que a população total é de 18 mil pessoas (IBGE). Esse é o quadro geral das reservas existentes no cone sul do estado. A Reserva Lagoa Rica tem 330 hectares: no entorno estão as sete retomadas da TI Panambi Lagoa Rica.
No entanto, a Reserva de Dourados se tornou um problema humanitário de ampla repercussão. O confinamento de 12 mil pessoas em pouco mais de 3 mil hectares é um dos graves do mundo, provocando violência interna e altas taxas de mortalidade, sobretudo entre a juventude, ausência quase completa de infraestrutura, dissociações variadas pela falta de espaço destinada ao modo de vida tradicional e mortes por atropelamento.
Seja a Reserva ou as retomadas ficam na margem do anel viário norte, rodovia que separa o perímetro urbano de Dourados das aldeias Bororó e Jaguapiru, e da Avenida Guaicurus, via que liga o centro ao aeroporto, à Cidade Universitária e ao quartel do Exército. São constantes o atropelamento de indígenas nas vias. O último episódio ocorreu na semana passada, com um indígena abalroado e morto por uma camionete.
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