Governador e senadores de Roraima propõem a criação de programas sociais para os 50 mil garimpeiros do estado

Cláudia Collucci

BOA VISTA

Apontados como os principais responsáveis pela crise humanitária vivida pelos indígenas yanomamis, garimpeiros ilegais têm recebido apoio de moradores de Boa Vista e encontram no governador de Roraima, Antonio Denarium (PP), um grande aliado.

Nesta terça (7), Denarium propôs a criação de programas sociais para os garimpeiros que estão deixando a Terra Indígena Yanomami, que fica no estado. O controle do espaço aéreo, a maior presença do Estado e a decisão anunciada (ainda que sem data definida) de retirada dos garimpeiros da terra indígena levaram a uma mobilização de grupos de invasores, que já deixam o território ou tentam fugir de alguma forma.

Durante reunião com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e a bancada de senadores de Roraima, o governador afirmou que cerca de 50 mil pessoas vivem da atividade do garimpo no estado e disse que essa população ficará desassistida, precisando de ajuda.

Monumento ao Garimpeiro (1969), em Boa Vista – Michael Dantas – 29.jan.2023/AFP

“Temos que criar mecanismos para que [os garimpeiros] possam sair. Uma das ações é o desbloqueio do espaço aéreo. Criar novas áreas de mineração em cooperativas, fora de área indígena, lógico”, disse Denarium, em entrevista após a audiência.

A reação ocorre em meio a um processo de asfixia do garimpo ilegal, com controle do tráfego aéreo pela FAB (Força Aérea Brasileira) e promessa de retirada de invasores. No dia 20 de janeiro, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) declarou emergência em saúde pública no território yanomami.

A conivência com o garimpo e a desassistência em saúde provocaram uma crise humanitária entre os indígenas, com explosão de casos de desnutrição grave, malária e outras doenças associadas à fome, como infecções respiratórias. Nesta terça (7), uma equipe da Polícia Federal confirmou que um indígena yanomami foi morto e outro ficou gravemente ferido após um suposto ataque feito por garimpeiros invasores.

O garimpo ilegal cresceu 54% em 2022 e devastou novos 1.782 hectares da Terra Indígena Yanomami, segundo levantamento da Hutukara Associação Yanomami. Entre outubro de 2018 e dezembro de 2022, houve crescimento acumulado de 309% do desmatamento associado ao garimpo.

Para o governador Antonio Denarium, uma solução seria a reinserção dos garimpeiros em outras atividades. “Criar programas sociais que possam atender essas pessoas, quando saírem da área em que estão trabalhando”, disse.

Na entrevista, o senador Mecias de Jesus (Republicanos) afirmou que os garimpeiros expulsos das terras indígenas são “trabalhadores que ficaram sem fonte de renda” e que “precisarão de assistência”.

Ele alega que os donos das áreas extrativistas ilegais já estão longe dos garimpos. “Os verdadeiros donos do garimpo não estão lá. São os peões que estão trabalhando para manter suas famílias. Os donos do garimpo foram embora há muito tempo, de avião.”

Na reunião com Pacheco, foi acertada a criação de uma comissão externa do Senado para acompanhar a crise sanitária dos yanomamis e proposto um termo de ajustamento de conduta do MPF (Ministério Público Federal) para que os garimpeiros que estão ilegalmente na terra indígena sejam retirados sem uso de força.

GARIMPEIROS TÊM APOIO DA POPULAÇÃO

Em Roraima, estado com cerca de 500 mil habitantes, vivem hoje cerca de 50 mil garimpeiros que estão totalmente inseridos na estrutura social e econômica do estado e especialmente da capital.

“Os garimpeiros não são esses criminosos que a mídia está mostrando, não, são pais de família que ajudam a economia da nossa cidade, do nosso estado”, disse o motorista de Uber José dos Santos, à Folha.

“É uma palhaçada isso tudo. Quero ver quem vai nos ajudar quando a fome chegar por aqui. Eu tenho dois tios e três primos no garimpo, que sustentam três famílias com trabalho duro, de sol a sol. Não são bandidos”, disse Maria do Carmo Silva, auxiliar de limpeza.

Na família da estudante Ana Carla, 20, são três gerações de garimpeiros. “Tem muito bandido no garimpo? Tem, assim como tem em qualquer lugar. Mas também tem muita gente honesta que só está tentando sobreviver. E são esses que sobraram por lá [na terra yanomami]. Os grandões já saíram”, afirmou.

Nos últimos três dias, a reportagem ouviu ao menos dez pessoas em Boa Vista com discursos muito semelhantes, entre motoristas, comerciantes, atendentes e profissionais da saúde, que defendem os garimpeiros e estão revoltadas com a operação do governo federal para interromper a atividade ilegal no território yanomami.

O garimpo é considerado ilegal em terras indígenas, mas a legislação brasileira permite, sob uma série de condições, a atividade extrativista no país.

Um dos principais patrimônios históricos de Boa Vista, o Monumento ao Garimpeiro é um exemplo de como eles são respeitados na cidade. A escultura foi construída em 1969 e fica no centro da sede do governo e Assembleia Legislativa de Roraima, na praça do Centro Cívico.

“Você tem na sociedade roraimense uma naturalização do garimpo. A população não vê como crime. Garimpeiro não é uma figura única, é um complexo social bastante diverso”, disse o sociólogo Rodrigo Chagas, professor da Universidade Federal de Roraima, em entrevista ao podcast Fora da Política Não Há Salvação, do cientista político Cláudio Couto.

Chagas afirma que o crescimento econômico e demográfico de Roraima está muito ligado ao garimpo e que há diversos perfis de pessoas na atividade. Ele conta que durante a pandemia, por exemplo, teve alunos que pararam de estudar e foram para o garimpo porque não tinham outra fonte de renda.

“Tem o rapaz que diz: ‘vou entrar no garimpo para tirar uma moto’. Quando a gente fala de garimpeiro, a gente está falando dos meus alunos, de familiares, de amigos, de pessoas do nosso convívio cotidiano em Boa Vista.”

Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2023/02/governador-de-roraima-defende-ajuda-a-garimpeiros-que-deixarem-territorio-yanomami.shtml

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