Davi Kopenawa denuncia há anos os males do garimpo ilegal: “Estão deixando marcas na minha casa, na minha terra”© Christian Braga / ISA

A ocasião era solene: numa pequena sala em Brasília (DF), em dezembro de 2022, trinta das maiores lideranças indígenas do país se reuniam. Eles discutiam como combater o garimpo ilegal, uma das chagas que afligem hoje os povos originários do Brasil. Estavam na sala lideranças Yanomami, Munduruku e Kayapó Mebêngôkre. As Terras Indígenas guardadas por esses povos, situadas em Roraima, Amazonas e Pará, registram mais de 90% da área degradada pelo garimpo ilegal dentro dos territórios originários, segundo o Instituto Socioambiental (ISA). 

Um dos presentes nessa conversa era Davi Kopenawa. Líder político, xamã e presidente da Hutukara Associação Yanomami, ele é uma das lideranças intelectuais e espirituais mais renomadas dos povos indígenas brasileiros. Davi Kopenawa é ouvido internacionalmente – neste início de fevereiro, ele esteve na sede da Organização das Nações Unidas (ONU) em Nova Iorque, nos Estados Unidos, denunciando a crise pela qual passa seu povo.

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Acordo inédito e histórico

Na reunião em Brasília, Davi Kopenawa defendeu a Aliança em Defesa dos Territórios. Esta Aliança, pactuada recentemente, consiste numa união dos três povos mais violentados pelo garimpo ilegal, que resolveram lutar juntos contra este problema. É um acordo inédito e histórico, que põe na mesma mesa algumas lideranças históricas desses três povos, mas também reúne os jovens que receberam a responsabilidade de manter a luta pela proteção de seus territórios. Todos vão emprestar suas forças, experiências e ancestralidades para combater a grande chaga que fere os rios e florestas brasileiros.  

As lideranças começam, nos próximos meses, um trabalho de incidência política, nacional e internacional, que vai reforçar o maior pedido dos povos originários da Amazônia hoje: a expulsão dos garimpeiros de seus territórios. Outras medidas são necessárias – a revitalização de bases da Funai e Ibama e a identificação de quem financia os garimpos, por exemplo – mas a retirada dos garimpeiros das terras indígenas é hoje a mais urgente e efetiva medida para combater este problema.  

Reproduzimos abaixo uma das falas de Davi Kopenawa no encontro em Brasília – em que ele descreve a situação vivida pelos Yanomami e defende o trabalho conjunto de três das grandes nações indígenas do nosso país.

“Tem que tirar o garimpeiro da nossa terra. Não existe essa conversa de que sem o garimpo o indígena morre de fome. Chega desse nhem nhem nhem, desse papo furado. Os garimpeiros têm que ser retirados das nossas terras. O governo, o Ministério Público Federal e o Ibama precisam cuidar deles. Os parentes estão ficando sem comida. Não estou triste, nem desanimado com essa situação. Estou é revoltado. Tem muitas comunidades nossas que não querem garimpo. Garimpeiro dá rabeta, dá gasolina, dá relógio… dá álcool para os indígenas. Mas o garimpeiro não cria escola.

Os garimpeiros não nasceram nas montanhas das terras Yanomami. Eles vêm de outros lugares, estão na Europa, nos Estados Unidos. Os garimpeiros não nasceram das montanhas, como nós. O rio Palimiú está sujo, poluído. Vem muita arma de fogo, aeronave e helicópteros da Venezuela.

As drogas estão estragando o jovem Yanomami. Os garimpeiros vem pras nossas florestas sem suas mulheres, eles deixam elas em casa. Os garimpeiros não se preocupam com as nossas mulheres ou famílias. Eles aliciam nossas jovens, ficam com nossas mulheres. Fazem filhos nas nossas aldeias, que nascem, crescem. Por isso os garimpeiros dizem: ‘essa terra é nossa, esse território é meu’. Aí ficam vindo mais garimpeiros e mais gente. Não convidei garimpeiros para estragar a minha casa. Tem máquina demais: máquina alemã, chinesa, canadense, americana. Tem máquina demais na minha casa.

Já conversei com o Lula. Não tive pena dele. Já disse a ele que, no passado, ele quebrou as pernas da Funai. Depois dele quem mais estragou a Funai foi Bolsonaro. A Funai precisa de um posto de vigilância, de uma base na Terra Indígena Yanomami. 

Tem que tirar as doenças que estão na minha terra: malária, leishmaniose… estão deixando marcas na minha casa, na minha terra. Bolsonaro empurrou os garimpeiros para dentro do nosso território. O governo do Bolsonaro só olhava o dinheiro. O dinheiro não vai salvar nossa vida, nosso planeta. Bolsonaro não via que a gente precisa respirar junto com as montanhas e as águas. Respiramos juntos. Somos um coração só, junto da nossa terra-mãe.

Vou continuar reclamando e cobrando. Precisamos recuperar a saúde indígena. Sem tirar os garimpeiros, as doenças não vão sair do nosso território. Roubaram nossos medicamentos, levaram nossos remédios, desviaram as nossas vacinas durante a epidemia de covid-19. Nosso inimigo não pode ficar mais forte, não podemos voltar a ser como era em 91 ou 92, quando os garimpeiros invadiram nossa terra pela primeira vez. Precisamos olhar pra frente, precisamos ficar juntos: os povos Munduruku, Kayapó e Yanomami.

Nós, indígenas que sofremos com o garimpo, somos irmãos. Eu penso isso. Não estamos sofrendo sozinhos. Estamos sofrendo todos juntos. Os grandes e os pequenos. Os brancos sempre falam que a Terra Indígena Yanomami é grande, tem pouco índio e muita terra. Mas na cidade tem muita gente também. Nas cidades tem muito carro e lixo.

Os chefes dos garimpos nos perseguem. Os Guarani têm uma terra pequena, mas sofrem demais. Queremos a retirada dos garimpeiros. Esse é o primeiro passo. A retirada dos garimpeiros da Terra Indígena Yanomami. 

Queremos que este ano a Funai, Ibama, PF se preparem e tirem os garimpeiros das nossas terras. Lula nos prometeu, todos os brancos viram. Se eu encontrá-lo, vou cobrar. Ele nos prometeu. Branco com branco se entende. Se eu for tirar o garimpeiro, eu morro. Jair Bolsonaro foi, para nós, como uma entidade que quebra tudo, suja e desorganiza  As crianças Yanomami precisam ser removidas para a cidade. Não temos remédios, médicos nem enfermeiras nos territórios”. 

A crise humanitária

A Terra Indígena Yanomami é a maior terra indígena do Brasil, com mais 96 mil quilômetros quadrados de extensão situados entre Roraima e o Amazonas. Homologada em 1992, ela abriga mais de 26 mil pessoas, incluindo indígenas Yanomami, Ye’kwana e diversos outros povos em isolamento voluntário. É um dos territórios originários mais saqueados pelo garimpo ilegal – entre outubro de 2018 e dezembro de 2022, o desmatamento acumulado associado ao garimpo naquele local cresceu 309%. Somente em 2022, o garimpo ilegal no interior do território cresceu 54% e devastou novos 1.782 hectares. 

No início de 2023, o governo federal decretou Estado de Emergência por conta da crise humanitária vivida pelo povo Yanomami. Este povo é vítima de uma equação perversa, que se origina na convivência forçada com os mais de 20 mil garimpeiros que causa desorganização de seu modo de vida, além de uma onda severa de fome e doenças.

Fonte: https://www.greenpeace.org/brasil/blog/davi-kopenawa-nao-existe-essa-conversa-de-que-sem-o-garimpo-o-indigena-morre-de-fome-chega-desse-papo-furado/

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