“Conversas da Amazônia” chega a sua 4ª edição: o tema desse ano foram as estratégias para defender o território que sempre foi deles
Jeremias Souza, representante dos Wai Wai, durante o Encontro na Amazônia colombiana. (foto: João Bourroul/Iepé)
Na primeira semana de agosto, cerca de 40 indígenas e representantes de comunidades locais se reuniram na Amazônia Colombiana por seis dias. Foram 40 lideranças que saíram de seus territórios para falar sobre seus territórios.
O tema da da 4ª edição do “Conversas da Amazônia” foi proteção territorial, por isso estiveram presentes também assessores técnicos das organizações membro da ANA (Aliança Norte Amazônica) que atuam como aliados junto aos povos indígenas no desenvolvimento dessas estratégias de monitoramento, controle e vigilância.
Além do Brasil, também estiveram presentes delegações do Peru, Colômbia, Equador e Venezuela, os cinco países que formam a ANA, aliança responsável pela organização do evento.
A ANA é composta por nove ONGs: Instituto Iepé e Instituto Socioambiental (Brasil), Wataniba (Venezuela), Gaia Amazonas (Colômbia), Instituto del Bien Común, Naturaleza y Cultura Internacional e Sociedade Peruana de Derecho Ambiental (Peru) e EcoCiencia e Naturaleza y Cultura Internacional (Equador).
O evento foi um momento precioso por reunir no mesmo lugar dezenas de guardiões da floresta, pessoas que estão na linha de frente da proteção de seus territórios. Uma dessas pessoas é Davi Kopenawa, representante do povo Yanomami.
“Ninguém me colocou no campo, eu que quis. Eu entendi o sonho que me trouxe a mensagem pra entrar na briga com esse não indígena que quer meter a mão na nossa riqueza. Esse é o meu trabalho. Por isso eu entrei nessa briga”. Davi é presidente da Hutukara Associação Yanomami. Ele diz que roubaram a palavra “associação” dos brancos, uma piada sobre o apreço que os não indígenas costumam ter pela forma escrita em detrimento da tradição oral.
Durante o Encontro, umas das frases que mais se ouvia nas rodas de diálogo e mesas de trabalho era: para proteger um território, o primeiro passo é estar bem organizado internamente. Outro consenso é que o conhecimento acadêmico e científico são importantes, mas desde que sejam complementares ao conhecimento ancestral das pessoas que, há milhares de anos, nascem, vivem e morrem dentro desses territórios.
“As ameaças não são parecidas. São as mesmas”
As delegações foram até a cidade de Leticia, na tríplice fronteira Colômbia-Peru-Brasil, para compartilharem suas experiências de proteção territorial. O evento acontece tradicionalmente nesse local por ser um ponto mais ou menos equidistante entre todos os países que formam a ANA (Aliança Norte Amazônica). Por mais que estejam há milhares de quilômetros uns dos outros, esses povos dividem a mesma casa: a Floresta Amazônica. Compartilham também as mesmas ameaças.
“Eu vi 40 mil garimpeiros chegarem na Terra Yanomami. Isso foi em 1986”, conta Davi. Quase 40 anos depois, as ameaças não mudaram, apenas se multiplicaram.
“O garimpo segue sendo uma ameaça”, afirma Edmilson Oliveira, do povo Karipuna, presidente do CCPIO (Conselho de Caciques dos Povos Indígenas do Oiapoque), que também participou do Encontro. “Porém uma das ameaças mais preocupantes e mais recentes é a exploração de petróleo na costa do Amapá. Estamos tentando um diálogo e a Petrobras se recusa”.
Por um novo tipo de cooperação
A 4ª edição do Encontro também proporcionou espaços de trocas entre os assessores das organizações que apoiam os indígenas. Esses profissionais tiveram a oportunidade de compartilhar ferramentas metodológicas e tecnológicas que utilizam, além de trocar experiências sobre os diálogos com seus respectivos Estados e quais formações e capacitações desenvolvem junto às associações indígenas.
Para o coordenador executivo do Iepé, Luis Donisete B. Grupioni, o Encontro funciona como um laboratório de experiências bem sucedidas de proteção territorial. E mostra a força da sociedade civil organizada.
“Historicamente, os governos da Floresta Amazônica cooperam em projetos de infraestrutura: linhas de transmissão, hidrelétricas, estradas…”, comenta Luis. “Não vemos essa mesma cooperação intergovernamental para a proteção da floresta. Se os governos cooperam em projetos que destroem a Amazônia, aqui é um exemplo que a sociedade civil pode cooperar entre si para manter essa floresta em pé”, completa.
Washington Tiwi, presidente da Federação Shuar, diz que levou dois dias e meio entre a saída de seu território, no interior do Equador, e o Encontro, na Amazônia colombiana. Esse tempo de viagem, apesar de longo, não é muito diferente da média das demais delegações.
Ele conta que em seu território uma das principais ameaças é a destruição de florestas para criação de gado. Mas uma das coisas que mais o preocupa é a ação dos garimpeiros. “A mineração é uma das ameaças mais complexas, porque junto dela vêm uma série de outros problemas, como o alcoolismo e a exploração de trabalho infantil”, explica. Washington diz que eles têm organizado mutirões para a instalação de placas nos limites da Terra Indígena.
“Nossa área é super vigiada. Por nós mesmos”.
Estratégias de permanência
A presença física nos limites das Terras Indígenas é uma das formas mais efetivas de proteção territorial. As chamadas expedições de vigilância e monitoramento ocorrem periodicamente e funcionam para que os indígenas se certifiquem de que não há nenhuma atividade ilegal ocorrendo dentro dos limites de suas terras. Quase sempre há.
Turismo ilegal e garimpo são algumas das ocorrências mais comuns.
Durante o Encontro, inclusive, os indígenas conversaram sobre uma pauta que não é de hoje: a demanda para que o governo brasileiro reconheça como profissão o trabalho realizado por eles de monitoramento, controle e vigilância territorial (agentes ou monitores ambientais, guardiões, vigilantes, etc), com a criação de concursos públicos, por exemplo. Segundo alguns dos representantes que estiveram em Leticia, isso daria mais autonomia e perenidade, diminuindo a dependência de financiamento externo.
Além das expedições, outras ferramentas de proteção territorial comuns aos indígenas presentes no Encontro são a criação e fortalecimento de associações e organizações indígenas e utilização de tecnologias para monitoramento remoto. As ameaças são dinâmicas, as formas de proteção também têm de ser.
A produção de mapas também é essencial. Um exemplo que encantou a todos presentes no Encontro foram os belíssimos mapas de locais sagrados dos indígenas venezuelanos do povo Yek´wana e Uwottüja.
Todos os povos indígenas parceiros do Instituto Iepé possuem protocolo de consulta e plano de gestão territorial, mas essa ainda não é uma realidade em todas as Terras Indígenas do Brasil ou de nossos vizinhos da América do Sul. Muitas vezes, mesmo com esses documentos, as ameaças superam os mecanismos de defesa. Ao falar da exploração de petróleo na costa do Amapá, o cacique Edmílson lembra que a ausência de diálogo com a Petrobras ocorre “apesar de termos um Protocolo de Consulta, que garante o direito de sermos ouvidos”.
Maria Nelly Veja é uma indígena da etnia Cocama, que vive a duas horas de barco de Leticia. Maria foi nossa guia no primeiro dia do Encontro, mas em sua camiseta está escrito: INTÉRPRETE LOCAL. De fato, guias são tradutores de territórios.
Maria diz que apesar da Fundación Maikuchiuga focar na reabilitação de primatas vítimas de tráfico ilegal, eles também estão atuando na proteção do território. Como? “Antes, essa preocupação com a preservação da fauna e flora não existia em nossa comunidade. Ao conservar nosso meio ambiente, fazemos com que, no futuro, nossos avós, nossos netos – e os turistas – possam desfrutar da nossa natureza. Para proteger um território, é preciso cuidar dele”.
Perguntado sobre seu significado pessoal para a definição de “proteção territorial”, Davi Kopenawa é incisivo: “Permanecer. É isso que significa pra gente”. Ele manda um recado para as tais autoridades que, aparentemente, se recusam a se unir pela proteção da floresta. “Não adianta ficar falando sobre a Amazônia sem conhecer. As autoridades precisam andar a pé até chegar nas comunidades, nas montanhas. Até perceber que os indígenas são os professores da mãe-terra”, finaliza.
O IV Encontro Regional “Conversas da Amazônia” – Proteção territorial: estratégias de monitoramento, controle e vigilância foi organizado pela ANA (Aliança Norte Amazônica), por sua secretaria executiva Fundação Gaia Amazonas e financiado pelos projetos Green Livelihoods Alliance: Forests for a Just Future (Voor veranderaars – Milieudefensie) e Projeto TerrIndigena – AFD (Agência Francesa de Desenvolvimento) e FFEM (French Facility for Global Environment).
Comentários