Unindo tecnologia e conhecimento de chão, indígenas e ribeirinhos da Rede Xingu+ conversaram sobre desmatamento e perspectivas para o futuro com pesquisadoras da UFMG
Sandra Silva
ISA

A Amazônia é o centro do mundo. E a bacia do Xingu é o um de seus epicentros: nela está um corredor de 28 milhões de hectares de áreas protegidas e florestas preservadas que se estende ao longo do rio Xingu e de seus afluentes e tributários. Esse corredor é indispensável para a manutenção da sociobiodiversidade e do clima global, mas está no limiar da exploração predatória de seus recursos naturais e da destruição. O futuro do Xingu está intimamente ligado com o futuro da humanidade, mas por hora, ele não é dos mais promissores: o desmatamento no primeiro semestre de 2021 foi o pior em três anos, de acordo com o monitoramento realizado pelo Observatório De Olho no Xingu da Rede Xingu+, aliança que reúne 25 organizações de todas as regiões da bacia e é um marco para a governança local.

Nos últimos dias 20 e 21 de agosto, lideranças e representantes indígenas e ribeirinhos das organizações que fazem parte da Rede Xingu + se reuniram em Brasília para, justamente, falar desse futuro. Além deles, estavam presentes também pesquisadoras do Centro de Sensoriamento Remoto da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que projetaram o desmatamento da Bacia do Xingu nos próximos anos: até 2035 e depois até 2050. Essas projeções foram discutidas durante os dois dias do encontro, somando os conhecimentos dos povos sobre seus territórios com imagens de satélite e uso de tecnologia. Ao final, as lideranças, em grupos de debate, apontaram os principais problemas que seus povos estão enfrentando em seus territórios numa perspectiva comparativa, lançando reflexões ao Corredor Xingu de modo amplo.


Encontro da Rede Xingu +

Estiveram presentes no encontro homens e mulheres de Terras Indígenas e Reservas Extrativistas do Xingu. Na porção da Terra do Meio, o evento contou com a participação de representantes da TI Xipaya, TI Cachoeira Seca, TI Arara do Laranjal, TI Apyterewa, TI Araweté/ Igarapé Ipixuna, TI Trincheira-Bacajá, TI Paquiçamba, TI Arara da Volta Grande do Xingu, RESEX Riozinho do Anfrísio, RESEX do Iriri e RESEX do Xingu e comunidade Maribel. Do território Kayapó, estiveram presentes representantes da TI Baú, TI Capoto Jarina, TI Menkragnoti e TI Kayapó. Indígenas do Território Indígena do Xingu (TIX) e da TI Panará também participaram do encontro.

O garimpo é uma das principais ameaças à TI Xipaya e à Resex Riozinho do Anfrísio. Para Mitã Xipaya, o Rio Curuá sofre com os impactos negativos da prática. “Nessa época a gente percebe que o rio Curuá está como se fosse o rio Tapajós e o rio Negro, muito sujo. Meu povo gostava muito de ir para o rio, para a praia, mas a gente já não frequenta mais para tomar banho porque quando a gente banhava ficava com impinge e a gente sabe que isso é impacto de garimpo”, contou.

“A Resex Riozinho do Anfrísio sofre com diversos pontos de desmatamento e garimpo. Um exemplo é o garimpo do Fortaleza que está ativo há anos e infelizmente o poder público não fez nada para coibir essa prática ilícita. E esse tipo de atividade ilícita acontece na área mais próxima a BR-163”, contou o ribeirinho Denilson da Silva Machado.

A TI Apyterewa é a mais desmatada do Brasil. “A nossa terra é próxima de muitas cidades, por isso, está cheia de pessoas de fora, de fazendeiros e garimpeiros. Tem maquinário, fazenda, garimpo, queimada, caçadores na nossa terra e isso nos preocupa muito. Onde o povo Parakanã vai viver? Sem terra ninguém vive. A gente está correndo muito risco de perder nossa terra, nossos rios, nossa floresta. Tudo está sendo tirado”, disse Tyé Parakanã

“A nossa terra tem muitos madeireiros e agora está aparecendo garimpeiros. Quando estamos tirando castanha os castanheiros e madeireiros aparecem, nós encontramos eles na nossa terra”, disse Iaut Arara da TI Cachoeira Seca.

“Nós da TI Arara temos problemas muito parecidos com a dos nossos parentes da TI Cachoeira Seca, muita invasão. Roubo de madeira é nosso maior problema agora, também tem muito loteamento nas nossas terras”, contou Moriudem Arara.

Joelmir Silva da Comunidade Maribel se emocionou ao falar sobre o medo constante dos ribeirinhos que sofrem ameaças à mão armada de grandes fazendeiros. “Dentro da Maribel existem muitos fazendeiros. No território, tem a região de 185 sul que liga ao município de Uruará e esse travessão é muito grande que abre ramais para os municípios de Placas, Medicilândia e Brasil Novo, então os madeireiros acabam entrando nas nossas áreas e ameaçando os ribeirinhos que moram na região do Iriri. Fazendeiros e pessoas grandes entram na nossa região e nos ameaçam com revólver, com espingarda, se a gente não participar de toda essa situação que está acontecendo”, disse. “Quando saímos de encontros como esse e chegamos nas nossas comunidades, essas pessoas vão para dentro das nossas casas e começam a articular e se planejar para invadir novas terras e também nos ameaçar, e não é fácil”, finalizou.


Encontro da Rede Xingu + em Brasília

A Resex Rio Xingu está localizada no centro do Corredor de Áreas Protegidas do Xingu, cercada por outros territórios protegidos. Dessa forma, a pressão é menor em comparação às terras que estão às margens. No entanto, a projeção para 2035 indica pontos de desmatamento dentro da reserva, o que assustou os ribeirinhos e levou a reflexão sobre como o desmatamento continuará avançando nas terras que cercam a reserva.

“Na região do Médio Xingu está acontecendo a exploração madeireira. A gente já não vê mais as madeiras matrizes, já foram desmatadas, só tem daquelas madeiras que duram pouco tempo. A exploração está intensa”, afirmou Paulo Porompi, do povo Ikpeng, do TIX.

“A nossa terra foi demarcada com muita luta e hoje ela está sendo ameaçada pelo PL 490. Mas a gente vai lutar junto aos nossos caciques, nossas lideranças, para tentar vencer esse PL do genocídio”, disse Rubens Suyá do Leste Xingu.

Assista ao vídeo:

PL do genocídio

“Hoje estamos aqui para dar continuidade a uma luta que não para, que vai passar de geração a geração e hoje está com a gente. E estamos aqui para não esquecer a luta dos nossos antepassados, daqueles que já se foram. Naquela época eles lutaram com a borduna, com a pintura, com o cocar, muitos sem ao menos falar o português com poucos representantes que sabiam falar, um deles era o meu pai. E eles fizeram um grande marco na história, que foi a defesa e a luta pelos doze artigos na constituição que estamos hoje lutando para manter”, disse Oé Paiakan. “Hoje lutamos não só por nós, mas por muitos. Pelos parentes que não entenderam o contexto do futuro no qual estamos”, argumentou.
“O Xingu atravessa uma grande parte do Brasil, seus afluentes, a sua bacia, e também atravessa o coração da gente”, disse Márcio Santilli, sócio fundador do ISA, na abertura do encontro.

Os direitos indígenas estão em risco com a disputa do PL 490 no Superior Tribunal Federal (STF). “Embora esse pensamento de acabar com as terras indígenas esteja presente na cabeça de muito branco, muito político, muito ruralista, eles nunca falaram isso. Mas agora eles estão abrindo o jogo pela primeira vez, estão dizendo claramente no texto da lei “onde o branco está, continua” e não diz nada sobre o que acontece onde o branco ainda vai entrar. Isso é um jogo de retirada de direitos indígenas. E isso vai acontecer mais fácil ainda em áreas de populações extrativistas onde se admita também a presença de garimpeiro, a presença de ocupante de fora, permanentemente“, afirmou.

Santilli comparou a aprovação do PL 490 com o fim do mundo para os indígenas. O projeto aprovado significa o fim da demarcação de novas terras e também a perda gradual das terras já demarcadas para grileiros, garimpeiros, madeireiros e qualquer agente externo que possa ter interesse nos territórios indígenas. “É como se eles estivessem jogando uma isca, e quando você morder eles puxam. E o puxão da linha é o projeto 490 que diz que onde o garimpeiro está, continua e deixa de ser direito de usufruto dos indígenas aquela parte do território. Se eles invadirem tudo, é tudo, se invadirem uma parte, é uma parte. E aqueles parentes que estão achando que é bom negócio fazer contrato com garimpeiro desse jeito, estão sendo enganados. Esse é o primeiro passo para chegar ao fim da história, e o fim da história é o fim da terra indígena. E o que fica para os indígenas? A água contaminada, a doença, o desmatamento, o rio destruído”, concluiu.

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