Manaus (AM) – “Crise Climática e a COP 26. O que será da Amazônia?”. Esse foi o tema do penúltimo dia de programação do evento “Amazônia Real +8” , realizado em comemoração aos 8 anos da agência Amazônia Real . Mediado pela jornalista e cofundadora, Elaíze Farias, o bate-papo contou com a participação do antropólogo João Paulo Barreto, indígena do povo Yepá-Mahsã/Tukano, a bióloga Ana Lúcia Tourinho e Carlos Durigan, geógrafo e ambientalista, como convidados.
A poucos dias da COP-26, que ocorrerá de 31 de outubro a 12 de novembro em Glasglow, na Escócia, Durigan afirma que o governo brasileiro atualmente possui uma forte política anti-ambiental, fazendo com que o país seja visto sob novas óticas, pessimistas e insuficientes, no necessário debate sobre mudanças climáticas e redução da emissão de carbono.
“Nós temos um cenário muito negativo. Como sabemos, o compromisso do Brasil, que foi estabelecido lá atrás na COP de Paris (2005), já caducou. Quando falamos de ambição dos países na redução das atividades degradantes, nada mais é que um compromisso que o país deve assumir de fato. Não dá para ficar só no discurso. O que estamos vendo, principalmente desde 2019, é que não só a gente deixou de fazer o que vinha sendo feito para atingir a meta de redução de emissões no Brasil, como agora nós passamos a ter uma crescente”, disse Durigan durante a live.
O geógrafo ressalta que essa crescente na emissão de carbono no país se deve ao aumento das queimadas, das atividades agrícolas e de degradações nos territórios indígenas e quilombolas, além da não conservação das reservas legais, cerca 80% delas presentes na Amazônia.
“A agricultura amazônida, promovida por povos indígenas, comunidades tradicionais e quilombolas, é altamente evoluída do ponto vista de reduzir os impactos e utilização de culturas produtivas mesmo em solos relativamente pobres em nutrientes. Esse conhecimento acumulado por gerações tem mostrado como é possível viver e produzir na Amazônia com baixo impacto”, disse.
Colunista da Amazônia Real, Carlos Durigan é geógrafo e ecólogo, atuando há 27 anos em iniciativas de conservação e manejo da biodiversidade na Amazônia. Atualmente é diretor da WCS Brasil (Associação Conservação da Vida Silvestre).
Ana Lúcia Tourinho lembra que os seres vivos que vivem nos biomas fazem parte de um ecossistema e que a degradação ambiental impacta diretamente na diminuição destes seres, ocasionando um aumento ou uma redução de outras espécies. De acordo com a bióloga, esse ecossistema, em equilíbrio, também é o responsável por evitar o contato dos seres humanos com seres infecciosos.
“Você destruindo a floresta tem uma quebra de barreira ambiental. A floresta leva milhões de anos para se construir com aquelas espécies e indivíduos. Isso cria uma estabilidade e proteção natural entre eles. Evita que os organismos vivos tenham contato direto o tempo inteiro. As doenças parasíticas estão relacionadas com esse contato e o aumento de população”, explica a pesquisadora, que alertou para os riscos de uma pandemia ocorrer na Amazônia caso a devastação nao seja controlada.
Ana Lúcia Tourinho é especialista em ecologia e evolução de artrópodes. Pesquisadora e Professora credenciada do programa de pós-graduação em Ciências Ambientais da Universidade Federal do Mato Grosso, Campus Sinop. Realiza pesquisas em ecologia e conservação de artrópodes na floresta amazônica, com especialização em aracnídeos. Ela também tem uma forte atuação na divulgação da ciência, aproveitando o espaço das redes sociais, é defensora da igualdade das mulheres nos debates da ciência. Desde 2020, tem sido uma maiores vozes de alerta para os riscos de uma pandemia causada pela devastação ambiental.
A falta de diálogo pré-COP-26
Outra reflexão importante foi feita por João Paulo Barreto. O antropólogo afirma que jovens indígenas já fazem parte das discussões climáticas , mas que é preciso que se tenha uma inclusão geracional nestes debates. Ele lembra, a partir do seu avô, que no passado durante o inverno e o verão amazônico, cientistas costumavam procurar os pajés para entender melhor os fenômenos climáticos, como a cheia e a seca.
Segundo Barreto, o diálogo entre as comunidades científicas, a COP e populações indígenas, ribeirinhas e quilombolas, principalmente com os mais velhos, é essencial para se combater as mudanças climáticas.
“Não adianta falar de bioeconomia e biodiversidade, todos esse palavreado que o capitalismo produz, sem levar em consideração os povos indígenas nessa terra. Muitas vezes a presença indígena é ignorada por debates científicos e muito mais por esses indivíduos que olham para a terra, a floresta, a água e o ar como objeto de venda.
Ainda na sua fala, João Paulo provocou que não basta chamar os jovens para “gritar pelas mudanças climáticas”. Segundo ele, é preciso também ouvir e consultar os mais velhos e os mais sábios para discutir o assunto.
“Eu gostaria muito que esses grandes debatedores de mudanças climáticas pudessem dispor o seu tempo para ouvir os nossos especialistas indígenas, os pajés. A ciência, o conhecimento indígena e o conhecimento quilombola precisam aprender a dialogar e retomar a conexão sobre o que está em nosso entorno”, destacou.
João Paulo Barreto é nascido na aldeia São Domingos, no município de São Gabriel da Cachoeira (AM). É graduado em Filosofia e Doutor em Antropologia Social pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam). É pesquisador do Núcleo de Estudos da Amazônia Indígena (NEAI) e fundador do Centro de Medicina Indígena Bahserikowi , além de ser membro do Painel Científico para a Amazônia), da Academia Brasileira de Ciência.
Em 2019, a Amazônia Real publicou uma reportagem especial sobre os Kumuã, conhecedores indígenas Tukano, e acompanhou João Paulo e seu pai e demais especialistas de seu povo. O trabalho resultou também em um documentário .
A live “Crise Climática e a COP 26. O que será da Amazônia?” permanece está disponibilizada nas contas do Youtube , Facebook e Twitter da Amazônia Real.
A programação de aniversário da Amazônia Real se encerra nesta sexta-feira (22), com a exibição do documentário “Amazônia Real”, sobre as jornalistas Kátia Brasil e Elaíze Farias, na galeria de artes do ICBEU Manaus, às 19h (hora de Manaus). Dirigido por Carolina Fernandes, o documentário foi produzido pela Associação Brasileira de Jornalismo Independene (Abraji), em homenagem às duas jornalistas. Estarão disponíveis 50 lugares para o público mediante inscrição neste link .
Agência premiada
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O lema da Amazônia Real é desenvolver o jornalismo independente e investigativo dando visibilidade às populações e às questões da Amazônia que não têm acesso à grande mídia brasileira. A missão da agência é fazer jornalismo ético e investigativo com uma linha editorial voltada à defesa da democratização da informação, da liberdade de expressão, da liberdade de imprensa e dos direitos humanos, além de valorizar a diversidade, a equidade e a igualdade etnicoracial na produção de conteúdos e entre as equipes de profissionais.
Fundada em 2013, a agência Amazônia Real conquistou reconhecimentos por seu trabalho, como o Prêmio do Público em Língua Portuguesa The Bobs , criado pela agência alemã de notícias DW, em 2016; e o Prêmio Rei da Espanha de Meio de Comunicação de Maior Destaque da Ibero-América, em 2019. Neste ano, as fundadoras Kátia Brasil e Elaíze Farias receberam o Prêmio da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) pela determinação na defesa da Amazônia e de seus povos.
No evento “Amazônia Real – 8 anos de jornalismo independente, investigativo e em defesa da liberdade de expressão”, a agência celebra ainda a construção de uma rede de jornalistas moradores de cidades da região e de comunicadores indígenas, que produzem conteúdos diversos de suas comunidades e aldeias. A produção jornalística da Amazônia Real é lida por leitores de mais de 180 países.
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