Manaus (AM) – Desmatamento, queimadas, garimpo e contaminação mineral estão entre as principais causas da devastação da Amazônia. Rios e florestas sendo impactados; povos indígenas e tradicionais em crescentes alvos de ataques dos agentes da destruição. Acompanhar e viver esta realidade é o que move fotógrafos que atuam na Amazônia. Cinco deles participaram nesta segunda-feira (18) da primeira live da programação de aniversário de oito anos da Amazônia Real .
Intitulada “Amazônia devastada: ataques, desmatamento e queimadas em fotografias”, a live foi mediada por Alberto César Araújo, editor de fotografia da Amazônia Real , e contou com a participação dos fotógrafos Marizilda Cruppe, que mora em Alter do Chão (PA); Cícero Pedrosa Neto, que vive e atua no estado do Pará, no município de Ananindeua; Bruno Kelly, radicado em Manaus e com atuação em toda a Amazônia; e Takumã Kuikuro, indígena do Parque Nacional do Xingu, no Mato Grosso. O evento foi transmitido ao vivo pelas plataformas Youtube , Facebook e Twitter.
Os fotógrafos contaram suas vivências e falaram sobre seu trabalho cobrindo a Amazônia. Eles relataram experiências, ameaças, receios e momentos de tensão durante viagens e coberturas de campo sobre desmatamento, exploração de garimpo e outros crimes ambientais. Na mediação feita por Alberto César Araújo, eles discutirem sobre as dificuldades e empecilhos de cobrir essa região e os perigos – como é o caso das coberturas dentro dos territórios invadidos por madeireiros e garimpeiros – e como é trabalhar em pandemia da covid-19.
Alberto, Marizilda, Bruno, Cícero e Takumã (Print do YouTube)
O fotógrafo, cineasta e brigadista voluntário Takumã Kuikuro é reconhecido por seu trabalho em nível nacional e internacional. Suas primeiras produções com o audiovisual foram no projeto Vídeo nas Aldeias , criado pelo diretor Vincent Carelli, há mais de 30 anos.
Mas conforme ia se envolvendo nesse projeto, Takumã teve que ir além. Para documentar as queimadas nas terras indígenas, percebeu que podia também contribuir com a rede de brigadistas formada para combater os incêndios florestais durante a pandemia da Covid-19. Para ele, documentar o que acontece em sua comunidade é uma contribuição para todos os povos indígenas.
“Eu acho muito importante nós indígenas contar a nossa história. Nós estamos enfrentando essa política dos não indígenas. Estamos enfrentando essa luta com toda a população indígena do Brasil, não somente onde eu moro, mas todos os povos indígenas do país. Estamos realmente enfrentando esse problema de incêndio florestal, agronegócio em volta das terras indígenas e cada vez mais aumentando essa pressão nas comunidades”, afirma.
Takumã Kuikuro acredita ser fundamental ter esse olhar além da fotografia, mas pensar também na forma de lidar com a natureza, como analisa:
“Temos que cuidar da nossa terra, da nossa mata, porque dependemos da natureza. Como eu faço a parte do audiovisual eu estava querendo ocupar aquilo, fotografar. Isso que fomos fazendo durante as queimadas no Xingu”.
A fotojornalista Marizilda Cruppe, que mora em Santarém, no Pará, contou sobre os riscos de cobrir a Amazônia, seja por conta da logística das viagens ou pelo perigo que envolve documentar a grilagem e a mineração.
Marizilda tem passagem por veículos da chamada grande imprensa, por organizações ambientalistas e atua hoje como fotógrafa independente. Em 2019, ela sobrevoou a região do Tapajós para uma reportagem da Amazônia Real .
Antes de compartilhar sobre seu trabalho, a fotógrafa fez questão de parabenizar a agência pelo seu trabalho, e observou: “Completar oito anos na atual conjuntura e fazendo um trabalho tão importante, profundo que para fora é super bem feito; e para dentro, com os cuidados com os colaboradores. É realmente comovente, as duas coisas. Tanto ver o trabalho publicado quanto ver o cuidado com todas as pessoas que trabalham com Amazônia Real”.
A fotojornalista contou na live desta segunda-feira que, mesmo com as novas tecnologias usadas para fotografar, como drone, algumas áreas amazônicas são inacessíveis. Se for um desmatamento no meio da floresta, os acessos são apenas pelos ramais dos madeireiros, caminhos que eles estão abrindo, e isso torna inviável para o profissional pelo perigo nessa cobertura.
Segundo Marizilda Cruppe, sobrevoo também não é uma opção fácil, pois tem lugares em que não é possível contratar aviões por conta da ligação dos pilotos com ações ilegais, ou pelo medo de entrar em áreas dominadas por garimpeiros. E relata uma história marcante que presenciou em um dos sobrevoos que pode fazer sobre uma terra indigena na Amazônia Legal.
“Tem uma foto que eles estão cercados pela soja. É todo tipo de violação que você pode imaginar. Quando chega no momento de plantar a soja é muito veneno. Fui em uma terra indígena que a plantação foi acuando eles e o avião passa pulverizando o veneno por cima das casas, das escolas”, disse ele, ao exemplificar seu relato mostrando algumas das fotografias que fez na área,
Para ela, em algum momento, o profissional sente vontade de não apenas contribuir com as imagens, mas buscar outras formas de ajudar os locais por quais passam.
“É tanta violação que não dá para fazer uma coisa só. Apesar da imagem ser importantíssima, como é pouco ainda, não é suficiente. O que mais se pode fazer, porque não dá para fazer uma coisa só”. E acrescenta: “realmente o avanço desse governo, piorou demais, não era um paraíso, longe de ser um paraíso, era bem complicado sempre foi mas conseguiu ficar muito pior”.
O fotojornalista Bruno Kelly atua como freelancer colaborando com diversos veículos, entre eles a Amazônia Real, com quem trabalha desde a sua criação. Na parceria mais recente com a agência, Bruno sobrevoou a terra indígena Yanomami junto da repórter Maria Fernanda Ribeiro, cujo trabalho fez parte da série especial “Ouro do Sangue Yanomami” , feita em parceria entre a Amazônia Real e a Repórter Brasil.
“Tivemos essa confiança da Amazônia Real de nos dar essa liberdade de ir a campo mostrar essa devastação que está sendo feito na Terra Indigena Yanomami. Ainda estamos em um momento intenso da pandemia, mas fomos lá mostrar o que está sendo feito na terra indígena”. Sobre o que pensou quando sobrevoou a região dominado pelo garimpo, Bruno acrescenta:
“Olhar essa cena, eles pedindo ajuda para todos. Mas é humanamente impossível lutar sozinho. Eles vêm lutando, observando isso. (Então), penso: quem somos nós para perder a esperança?”, disse Bruno Kelly. Durante sua participação na live, Bruno Kelly também relembrou de cenas que ele descobriu como garimpeiros utilizam de táticas para fugir de fiscalizações dos órgãos de segurança e da polícia.
“Eles têm uma tática quando a polícia chega para fazer operação. Afundam uma balsa com motor e tudo. Quando a polícia vai embora eles enchem de novo e a balsa levanta”.
O repórter multimídia Cícero Pedrosa Neto, que tem uma longa experiência na cobertura de conflitos agrários e populações quilombolas, falou sobre a importância do espaço que a Amazônia Real tem dado para essas pautas, principalmente, a situação em Barcarena, município paraense que tem sido marcado por desastres ambientais. Ele contou como tem sido cobrir e acompanhar as populações que vivem próximo a grandes empreendimentos de mineração e descreveu a situação como “genocídio”.
“De maneira deliberada e com o apoio do governo, falo genocídio porque existe ali três gigantes da indústria mineral. São referências mundiais nas produções desses minérios. Essa produção acontece em uma distância mínima das populações tradicionais que ali vivem tradicionalmente, como as comunidades quilombolas”, afirmou.
Como fotojornalista, Cícero Pedrosa Neto fotografa e conta histórias de dramas de famílias contaminadas por metais pesados , assunto que ele abordou na live de hoje.
Outras lives
Livro de Lúcio Flávio Pinto que será lançado dia 19/10
(Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real
A programação de oito anos de fundação da Amazônia Real vai até sexta-feira (22). Nesta terça (19), a live será dedicada ao lançamento do livro “Fogo, Sangue e Cifrão”, do jornalista Lúcio Flávio Pinto, que faz parte da história da Amazônia Real, na qual tem uma coluna fixa onde discute temas da Amazônia. Lúcio Flávio Pinto é um dos maiores jornalistas do Brasil, com experiência de mais de 40 anos cobrindo a Amazônia.
O evento será mediado pela cofundadora da agência, a jornalista Kátia Brasil, e contará com a participação dos jornalistas Cristina Serra e Fabiano Maisonnave. Ele acontecerá entre 9h30 e 11h (horário de Manaus); 10h30 às 12h (horário de Brasília).
É possível acompanhar o evento que será transmitido ao vivo pelas plataformas Youtube, Facebook e Twitter.
Agência premiada
Rei Felipe VI entrega prêmio à jornalista Elaíze Farias em 2019
(Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)
O lema da Amazônia Real é desenvolver o jornalismo independente e investigativo dando visibilidade às populações e às questões da Amazônia que não têm acesso à grande mídia brasileira. A missão da agência é fazer jornalismo ético e investigativo com uma linha editorial voltada à defesa da democratização da informação, da liberdade de expressão, da liberdade de imprensa e dos direitos humanos, além de valorizar a diversidade, a equidade e a igualdade étnico-racial na produção de conteúdos e entre as equipes de profissionais.
Fundada em 2013, a agência Amazônia Real conquistou reconhecimentos por seu trabalho, como o Prêmio do Público em Língua Portuguesa The Bobs , criado pela agência alemã de notícias DW, em 2016; e o Prêmio Rei da Espanha de Meio de Comunicação de Maior Destaque da Ibero-América, em 2019. Neste ano, as fundadoras Kátia Brasil e Elaíze Farias receberam o Prêmio da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) pela determinação na defesa da Amazônia e de seus povos.
No evento “Amazônia Real – 8 anos de jornalismo independente, investigativo e em defesa da liberdade de expressão”, a agência celebra ainda a construção de uma rede de jornalistas moradores de cidades da região e de comunicadores indígenas, que produzem conteúdos diversos de suas comunidades e aldeias. A produção jornalística da Amazônia Real é lida por leitores de mais de 180 países.
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