Decisão da Justiça Federal em Altamira (PA) acontece após recusa da gestão Jair Bolsonaro em “prestar assistência alimentar e sanitária emergencial” aos povos do Médio Xingu; ordem prevê entrega de kits até o fim da pandemia, sob pena de multa diária de R$ 10 mil

Por Mariana Franco Ramos

Todos os indígenas da região do Médio Xingu, no Pará, incluindo comunidades não-aldeadas, indígenas urbanos e os migrantes Warao, da Venezuela, deverão receber cestas básicas e kits de higiene enquanto perdurar a pandemia de Covid-19.

Indígenas em São Félix do Xingu (PA) (Foto: Thiago Gomes/Agência Pará)

decisão, divulgada na última segunda-feira (08) pela Justiça Federal em Altamira (PA), atende a uma ação civil pública do Ministério Público Federal (MPF), que ingressou com ação judicial diante da “recusa do governo brasileiro em prestar assistência alimentar e sanitária emergencial” aos povos originários.

Pela liminar da juíza federal Maria Carolina Valente do Carmo, a União, a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) estão obrigadas a apresentar dentro de sete dias um cronograma para a distribuição dos itens. A multa diária em caso de descumprimento é de R$ 10 mil, podendo chegar a R$ 110 mil.

De acordo com o MPF, a demora para entrega dos itens de alimentação e saúde é injustificável e tem sido motivo de reiteradas manifestações por parte dos indígenas, que hoje convivem com pessoas infectadas em suas comunidades, sem qualquer acesso a material de higiene:

 — O perigo na demora, por sua vez, é notório, dado o caráter alimentar e assistencial da medida pleiteada e a situação precária relatada tanto na inicial quanto nos depoimentos das lideranças indígenas de que não há garantia de suficiência alimentar aos povos indígenas do médio Xingu, bem como condições inadequadas de higiene para controle do vírus.

UNIÃO NEGA TER OBRIGAÇÃO DE GARANTIR SEGURANÇA ALIMENTAR

Intimados pela Justiça, advogados da União alegaram que não seria obrigação da Funai ou da Conab garantir a segurança alimentar dos moradores do Xingu. A Justiça Federal, contudo, rebateu o argumento. “É inegável a responsabilidade da União e da Funai na garantia dos direitos fundamentais das comunidades indígenas, o que é suficiente à demonstração da relevância das alegações da petição inicial”, diz trecho da decisão.

Ainda segundo a liminar, o fornecimento de cestas básicas e itens de higiene é medida razoável e adequada e as comunidades não podem mais aguardar a implementação de medidas públicas ao livre arbítrio da administração, “sob risco de dano à saúde e à vida”. A Funai de Altamira deve identificar, no prazo de cinco dias, o quantitativo mensal de cestas básicas e materiais de higiene necessários para o atendimento a todos os indígenas da região do Médio Xingu.

No caso do cronograma, a recomendação é definir datas específicas, com início após trinta dias contados a partir da última entrega realizada. O fornecimento deve prosseguir mensalmente durante todo o período de vigência da emergência em saúde pública, utilizando-se de todos os meios de transporte cabíveis, incluindo “apoio logístico voluntário do Exército brasileiro, bem como a flexibilidade nos itens conforme peculiaridades locais e protocolo de segurança e cuidado no manuseio”.

Nesta quarta-feira, o Brasil chegou a 30.542 casos confirmados e 790 mortes por Covid-19 entre indígenas, segundo levantamento da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Ao todo, a pandemia já atinge 158 povos: mais da metade das etnias do país.

O genocídio indígena é tema do observatório, que vem contando as histórias de luta e resistência dos povos originários: “Estas são as faces de 100 indígenas mortos por Covid-19 no Brasil“.

FUNAI QUESTIONA AUXÍLIO A ESTRANGEIROS

Em nota, a Funai informou que cumprirá a decisão “tão logo o juiz esclareça o critério de identificação de não-aldeados e urbanos e se o artigo 231 da Constituição Federal contempla auxílio a todo e qualquer indígena estrangeiro que adentre o território brasileiro”.

Entrega de cestas pela Funai não contempla indígenas Warao. (Foto: Ministério da Saúde)

A organização argumenta que, desde o início da pandemia, a Coordenação Regional Centro Leste do Pará vem distribuindo cestas de alimentos a aldeias do médio Xingu. “Já foram entregues mais de 5,5 mil cestas de alimentos a indígenas em situação de vulnerabilidade social”. Além disso, diz que distribuiu cerca de 1 mil kits de higiene e limpeza a diferentes comunidades da região e que vem atuando “também na conscientização junto aos indígenas, reforçando as medidas de prevenção e orientando para que eles evitem aglomerações e permaneçam nas aldeias”.

Ainda de acordo com a Funai, no momento está “em fase de conclusão” a entrega de outras 3,1 mil cestas básicas e de 1,5 mil kits a aproximadamente 1.586 famílias indígenas do Médio Xingu. “Cerca de R$ 340 mil foram investidos na ação, que conta com o apoio logístico de parceiros como a Norte Energia e o Exército”. A concessionária de Belo Monte, citada pela Funai, é alvo de outro processo recente do MPF por descumprir um acordo judicial de 2012 que previa a construção de bases de proteção territorial nas terras indígenas afetadas pela construção da usina, em outubro de 2012. O valor da multa pode chegar a R$ 1,3 bilhão.

Em todo o país, a Funai afirma que distribuiu mais de 418 mil cestas básicas e participa de 311 barreiras sanitárias para impedir a entrada de não-indígenas nos territórios, a um investimento de R$ 28 milhões.

CONAB DIZ QUE NÃO FOI NOTIFICADA DA DECISÃO

A reportagem também entrou em contato com a Conab, que, às 17 horas desta quarta-feira (09), informou não ter sido notificada da decisão: “Assim que for notificada, a Conab tomará as providências cabíveis”.

A companhia ressalta que participa da distribuição de cestas básicas em parceria com o Ministério da Cidadania (no caso da ação regular de doação de alimentos para populações em situação de risco nutricional) e com o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (no caso da ação emergencial de enfrentamento à pandemia, que inclui comunidades indígenas).

“Estes ministérios é que disponibilizam os recursos orçamentários necessários para que a Conab adquira os itens por meio de leilão e monte as cestas para distribuição, uma vez que a Companhia é responsável pela execução, e não pela definição de entregas, competência de quem disponibiliza os recursos”, prossegue a nota.

A Conab afirma ainda que, no estado do Pará, foram distribuídas 12.782 cestas de alimentos, dentro do convênio com o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, contemplando comunidades indígenas e quilombolas. Mais alimentos foram adquiridos para um nova etapa de doação.

Mariana Franco Ramos é repórter do De Olho nos Ruralistas |

Foto principal (Foto: Meneguini/Gcom-MT): governo brasileiro se recusou a prestar assistência familiar a povos do médio Xingu

|| A cobertura sobre segurança e soberania alimentar durante a pandemia tem o apoio da Fundação Heinrich Böll Brasil ||

Fonte: https://deolhonosruralistas.com.br/2020/09/10/governo-tem-sete-dias-para-apresentar-cronograma-de-entrega-de-cestas-a-indigenas/

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